Ceará
Fungo nativo da África pode controlar praga que ameaça a carnaúba no Ceará
Espécie símbolo do Ceará, as carnaúbas sofrem com uma espécie invasora conhecida como “Unha do Diabo”, o que coloca em risco a biodiversidade da Caatinga e um importante incremento na economia cearense. Para mitigar este impacto, pesquisadores estudam a possibilidade de utilizar o fungo conhecido como ferrugem (Maravalia cryptostegiae), nativo de Madagascar e inimigo natural da praga, como um agente de controle biológico.
Participam do estudo pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (Uece), outras universidades brasileiras e o Centro de Agricultura e Biociência Internacional (CABI), organização da Inglaterra que atua em parceria com as instituições brasileiras. Os municípios cearenses escolhidos, inicialmente, para aplicação do fungo são Granja, Caucaia e Jaguaruana, importantes na cadeia produtiva do Estado.
O professor doutor Oriel Herrera, da Uece, estima que 70% do Ceará seja afetado pela “Unha do Diabo”, mas a ocorrência maior se dá nas regiões Litorânea e Sertão Central. No Cariri e fronteira com Piauí, a planta ocorre em proporção menor. Segundo o pesquisador, estas três cidades foram selecionadas por apresentar “maior infestação nos carnaubais”, além de serem “grande produtores, com grandes áreas ocupadas e onde muitas palmeiras já morreram”.
“Com as medidas que estamos adotando para controlar a espécie invasora, esperamos podermos usá-lo (o fungo) aqui, em locais altamente afetados. Também está sendo levado em consideração outras plantas da Caatinga para que este fungo não venha impactar negativamente”.
O professor Rafael Costa, do departamento de Biologia da UFC, também aponta que as três cidades “abrangem um panorama bem grande” do que acontece em outras regiões do Estado, e apresentam uma variação climática constante: Jaguaruana com baixas precipitações; Caucaia com índice mais elevado; e Granja com valores intermediários.
Espécie invasora
Segundo o professor, uma espécie invasora é caracterizada por não pertencer naturalmente a determinado ambiente. “Também precisa ser capaz de se auto-sustentar e alcançar um crescimento expressivo, o que leva a impactos ambientais e econômicos”, explica. No caso da “Unha do Diabo”, o agravante é ser uma espécie trepadeira, que cresce usando outras plantas como suporte e consegue competir com espécies nativas.
A planta é capaz de cobrir por completo as carnaúbas, impedindo a entrada de luz e levando a palmeira à morte. “Com isso, a gente perde a matéria-prima para a cera da carnaúba e também para muitas atividades artesanais, que utilizam a palha da planta. Mas, também, perdemos os serviços ambientais como a manutenção da fauna ou dinâmica de estabilização do solo”, avalia Costa.
Para ter ideia, com base nas avaliações realizadas pela UFC, se considerarmos a presença de 14 a 95 carnaúbas em 1ha, temos a variação de 1.300 a quase 2 mil plantas invasoras na mesma área. “Nas carnaúbas que estão desenvolvendo um caule (onde a “Unha do Diabo’ é mais recorrente), a quantidade de plantas infestadas é superior a 60%”, explica o pesquisador, ressaltando a importante de haver uma ação efetiva de controle.
“Nessas três áreas que avaliamos (Jaguaruana; Caucaia e Granja), há muito poucas carnaúbas na fase inicial de vida, o que já pode ser um reflexo da diminuição de reprodução. Futuramente, poderemos ter poucas carnaúbas adultas”.
Quais impactos essa ocorrência pode trazer?
Perda do controle de erosão;
Perda do controle do fluxo de nutrientes para dentro de rios;
Alterações hidrográficas importantes e desequilíbrio ambiental.
Entenda
A espécie de fungo (Maravalia cryptostegiae) utilizada é nativa da ilha de Madagascar e ataca especificamente a “Unha do Diabo”.
Existem fungos ferrugem, da mesma família, também em outros locais – como se fossem primos em países diferentes.
No Nordeste do Brasil, existem fungos deste tipo, que podem ser usados no controle da espécie invasora.
Está sendo averiguado, neste momento da pesquisa, qual o melhor “primo” para controle da praga no Ceará, sem prejudicar outras espécies.
O princípio do controle biológico é encontrar um inimigo natural que atue especificamente contra determinada espécie.
A espécie invasora continua existindo, mas de forma controlada, sem oferecer danos potenciais às espécies nativas.
Impactos econômicos
Para analisar os impactos também foram realizados questionários nos três municípios que receberão o fungo com os moradores que atuam diretamente nos carnaubais. “Vemos a percepção de que a planta invasora pode causar problemas aos animais, como também intoxicação aos próprios agricultores. Mas também tem o impacto econômico, reduzindo a quantidade de carnaúbas ou aumentando o custo de manter o carnaubal sadio”, avalia o professor.
Segundo o Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba no estado do Ceará (Sindcarnaúba), a carnaúba é fundamental para o ciclo econômico do Nordeste. Conforme dados da entidade, a cera da palmeira está em 8º lugar na pauta de exportação cearense, representando mais da metade (55%) da exportação de carnaúba do País. Estima-se que a produção gere mais de 96 mil empregos diretos no Ceará, movimentando 192,5 mi por ano.
Dessa forma, a expansão da “Unha do Diabo” atinge diretamente a renda familiar destas pessoas.
Pesquisa
O objetivo da pesquisa é avaliar a viabilidade do fungo como um agente de controle biológico. Atualmente, estão sendo realizadas análises em laboratório, no Reino Unido, com espécies nativas da Caatinga, em dois principais pontos: eficácia no ataque à espécie invasora e comportamento com outras espécies. O professor do Departamento de Fitopatologia da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, Robert Barreto, ressalta que os resultados são animadores.
“Os testes constatam que o fungo só ataca a planta invasora e mais nada. Estamos confiantes”, afirma. “Essa espécie (Unha do Diabo) causou um problema gravíssimo na Austrália, nos anos 90. Ela vai ganhando força, é como se fosse uma pandemia. Quando os australianos se deram conta, já havia atingido uma área gigantesca, parecida com a da Caatinga. Estamos assistindo um filme se repetindo aqui, mas a nossa expectativa é que o final seja feliz”.
Cadeira produtiva da carnaúba no Ceará (Sindcarnaúba):
R$ 192,5 mi movimentados anualmente
93.300 mil empregos diretos gerados
30 mil hectares de Caatinga preservada
55% das exportações do País são do Ceará
14 parceiros comerciais no Exterior
O laboratório do Reino Unido onde estão sendo feitos os testes é referência mundial em controle sanitário e atuou, também, na inserção do fungo para controle na Austrália. Por questão de segurança, é recomendando que estes procedimentos sejam realizados em outro país. Assim, caso ocorra algum emprevisto, a situação é mais facilmente controlada.
No caso da “Unha do Diabo”, por questões climáticas, dificilmente se reproduziria fora de um ambiente controlado, na Inglaterra.
“A gente não tá inventando a roda”
Barreto ressalta a importante de saber que o procedimento não é incomum. O fungo já foi usado para resolver problemas semelhantes na Austrália. “A gente não tá inventando a roda”, destaca. “Pegamos muito da experiência do que deu certo na Austrália, que introduziu o fungo há 20 anos”. Países como Nova Zelândia e África do Sul também têm experiências no controle de plantas invasoras.
“Na experiência australiana, em um ano, já se via a vegetação nativa aparecendo”, avalia Barreto.
Ele ressalta que um relatório com os resultados deve ser encaminhado até o meio do ano que vem. Após isso, a introdução do agente de controle biológico dependerá do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que precisa declarar estado de emergência fitossanitária no Ceará. “Acreditamos que o Ministério verá isso com bons olhos. É uma planta importante (a carnaúba), que precisa ser protegido e que sofre grave risco. A ameaça é real e muito potente”.
“É preciso um relatório bem feito e mostrar que a “Unha do Diabo” não vai sumir completamente, mas vai haver um controle. Vai continuar existindo, mas deixará de ser agressiva”.
Unha do Diabo
A “Unha do Diabo” também é uma espécie nativa de Madagascar, na África, e cresce em volta do tronco da carnaúba, sufocando a planta e impedindo a absorção de luz solar. Segundo a Associação Caatinga, que atua no município de Crateús, no Ceará, e no estado do Piauí, a praga foi introduzida no Brasil há cerca de 100 anos, provavelmente utilizada para ornamento.
Atualmente, a espécie invasora está presente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, mas também com vestígios em Pernambuco e se espalhando para outras regiões do País.
Um ponto bastante preocupante é a ocorrência da espécie invasora nos leitos de rios do Ceará. Há registros da “Unha do Diabo” nos leitos dos rios Jaguaribe, Pacoti, Coreaú e Acaraú, por exemplo. Perto dos manansiais, a espécie invasora acaba captando grande quantidade de água e desequilibrando os ecossistemas locais. Além disso, por destruir a mata ciliar, os corpos hídricos ficam mais desprotegidos.
Fonte: Diário do Nordeste
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