Entre olhares: “A gente não quer só comida…”

Sabe-se que aproximadamente 35% da população do Brasil está na faixa etária dos 14 anos. O UNICEF afirma que o Brasil abriga cerca de 1/3 da população de crianças e adolescentes da América Latina e Caribe. Estima-se que 29% da população brasileira seja pobre. Destes, a metade é composta por famílias com crianças. Mais de 70%das crianças e dos adolescentes brasileiros são classificados como pobres. As crianças pobres têm mais do que o dobro de chance de serem vitimadas pela mortalidade infantil em relação às crianças em melhores condições de vida. Calcula-se que 60 mil crianças com menos de 1 ano estão desnutridas.

Das crianças com até 14 anos de idade, 60% residem em domicílios com serviços de saneamento (água, esgoto e lixo) inadequados, expondo seriamente 11% delas a doenças em todo o país. Estima-se que uma em cada quatro, na faixa de idade dos 4 a 6 anos, está fora da escola e 64% das crianças pobres não vão à escola durante a primeira infância. No Nordeste 40% das crianças concluem a educação fundamental. São 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, somente 40% termina o ensino médio. As razões da evasão escolar vão desde a violência até a gravidez precoce. O país registra anualmente o nascimento de 300 mil crianças filhas de mães adolescentes.

Assusta-nos a violência contra o público infanto juvenil. Todos os dias são 129 casos de violência, psicológica ou física, registrados no Disque Denúncia 100. Além disso, entre as causas externas de óbitos de crianças e jovens brasileiros, 43% são por assassinato e 27% são causados por acidente de trânsito. O trabalho infantil ainda está longe de ser erradicado nas terras brasileiras. São mais de 2 milhões de crianças entre 5 e 15 anos de idade com alguma ocupação no mercado de trabalho, das quais 44% na Região Nordeste e 24% na Região Sudeste.

Estarrecedor é saber que o Brasil é o país que possui uma das mais avançadas legislações de garantia dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Contudo, somente letra morta. Tão morta quanto aqueles que são vitimados pela inobservância, violação e descaso com os seus direitos garantidos na forma da lei. A Federação do Comércio do Rio de Janeiro realizou levantamento sobre o hábito cultural em 70 cidades brasileiras. 47% dos entrevistados não realizaram nenhuma das seis atividades culturais listadas na pesquisa. 66% deles não leram um livro. Mais de 90% não visitaram uma exposição de arte, não assistiram a um espetáculo de teatro nem de dança. Somente menos de 30% foram ao cinema e a um show musical.

Nesta pesquisa ficou revelado que os motivos do déficit de demanda cultural são hereditários e passam a constituir o hábito do povo. Segundo a Fecomércio-RJ, é uma questão intergeracional, ou seja, os pais não têm a prática de frequentar “ambientes culturais”, e, assim, seus filhos não são estimulados. Enquanto as atividades culturais não entrarem no cotidiano das crianças, o setor cultural no Brasil terá um público limitado. As políticas culturais voltadas para as novas gerações inexistem, apesar de haver inúmeras experiências artísticas culturais por todo o país, sobretudo aquelas com finalidades sociais. Muitas das iniciativas da sociedade civil organizada, são reféns da inconstância de financiamento do setor público e do setor privado, infligindo-lhes um caráter de descontinuidade.

O Estado do Ceará é pioneiro nas políticas públicas para a cultura, sendo, por exemplo, o primeiro estado brasileiro a criar sua Secretaria da Cultura e a aderir ao Sistema Nacional de Cultura. Entretanto, é quase imperceptível uma política cultural exclusiva para crianças ao longo dos 48 anos dessa secretaria. No geral, a sociedade civil sempre cobriu esse hiato de políticas culturais para a infância com projetos dedicados à formação cidadã e ao fortalecimento da identidade cultural.

São iniciativas que não dão conta dos 184 municípios cearenses. O atual Plano Estadual de Cultura do Ceará não prevê nenhuma ação, nem estratégia, com ênfase na infância. Destacam-se inúmeros projetos culturais para a infância com objetivos sociais realizados por ONG’s. Lamenta-se que grande parte dos projetos essencialmente artísticos têm fins exclusivamente comerciais, baseados nos padrões da indústria de entretenimento.

Gestores e a classe política de um modo geral ainda não tomaram ciência e consciência de que estimular, desenvolver e criar hábitos de consumo e usufruto de nossos bens culturais exige um processo educativo em que as crianças, os adolescentes e os jovens assumam uma posição de protagonistas. Contudo, não se trata de coisa simples e fácil. Primeiramente, pais e mães precisam de emprego e trabalho, com remuneração digna, a fim de que possam proporcionar aos seus filhos o consumo desses artigos de luxo. Ademais, entenda-se que depois disso, esses jovens precisam ser absorvidos pelo Mundo do Trabalho, receber remuneração digna, para dar continuidade a esse consumo.

Trata-se de um ciclo virtuoso em que as Indústrias do Entretenimento, do lazer e do Turismo, com todos os seus encadeamentos para antes delas e para depois delas, resultariam num processo de desenvolvimento econômico, social, político, ideológico, filosófico e sociológico de grande envergadura que faria de nossa pátria uma verdadeira Nação. Lamentável é o comportamento da Classe Dominante que não admite e não permite que essa “luxuosidade” seja acessada pelos subalternos. Visão e Comportamento tacanha “que astravanca o progresso…”.