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Obrador promete uma revolução de esquerda no México

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Para eleitores, candidatos, jornalistas ou analistas, não há outra forma de o descrever: as eleições deste domingo são as mais importantes da história do México. Um homem promete fazer implodir o velhinho sistema político mexicano e romper com décadas de governos de direita: Andrés Manuel López Obrador.
Entre a presidência, o Senado, a Câmara dos Deputados e variadíssimos postos na administração local do Estado, milhares de cargos públicos submetem à escolha dos quase 90 milhões de eleitores inscritos. Mas mais do que as vagas, importam as caras disponíveis para as preencher.
Aos 64 anos, e depois de duas candidaturas presidenciais fracassadas, em 2006 e 2012, o líder do Movimento Regeneração Nacional (MORENA, esquerda) é o grande favorito a receber a chave de Los Pinos – a residência oficial da presidência – para os próximos seis anos, sucedendo a Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI, centro-direita), rosto máximo da incapacidade do poder político em combater a violência, a corrupção e a desigualdade.
Honestidade em punho
Obrador promove um um discurso orientado para as classes desfavorecidas, para os jovens e para a grande massa de eleitores descontentes com o sistema, que mistura populismo, nacionalismo e uma boa dose de idealismo – a apresentação da honestidade como principal arma de combate à corrupção e à impunidade é um bom exemplo. Chega às eleições decidido a derrubar a “máfia do poder” e a oferecer ao mexicano comum um protagonismo que, na verdade, nunca teve.
Segundo a média das últimas sondagens, calculada pelo El País, o ex-chefe do governo da Cidade do México agrega 49% das preferências, contra 27% de Ricardo Anaya, do Partido da Acção Nacional (PAN, direita), 21% de José Antonio Meade, do PRI e 2% de Jaime Rodríguez Calderón (independente, direita). Percentagens que, de acordo com o modelo concebido pelo diário espanhol, dão a Obrador 97% de probabilidades de vencer a contenda.
A cumprir-se um triunfo de AMLO, como também é conhecido, e a igualmente expectável conquista das duas câmaras do Congresso da União pelo MORENA, inaugura-se um inédito capítulo na história do México, que não teve um governo à esquerda em quase 90 anos. “O MORENA vai ser o ‘novo PRI’, enquanto partido de referência e em termos de impacto social e nacionalista”, afiança ao Financial Times o militante Rodolfo González.
Uma verdadeira excentricidade, que também o é por ocorrer numa América Latina que nos últimos anos deu uma guinada política conservadora e por ser acompanhada pela pressão proteccionista do modelo político, económico e migratório de Donald Trump – que tem no México um dos principais alvos das suas frustrações.
O cansaço e o ressentimento de uma larga fatia do eleitorado em relação ao establishment político mexicano anda de braço dado com o desprestígio progressivo do histórico PRI.
No poder desde o início do século passado, e em alternância com o PAN a partir de 2000, o partido entrou, com Peña Nieto, numa espiral de descrédito e arrisca-se a ser varrido do mapa, com a perda da presidência e da maioria de deputados e senadores no Congresso.
O ainda Presidente até nem começou mal o mandato, pondo em prática uma série de reformas para modernizar a economia – com destaque para a abertura do sector petrolífero ao investimento estrangeiro. Mas o fraco desempenho económico do país e a revelação de sucessivos casos de corrupção e de utilização indevida de dinheiros públicos, envolvendo elementos da cúpula do PRI, e com paralelo em praticamente todos os sectores do Estado, desencadeou uma onda de contestação que Nieto não soube travar.
O descontentamento com a impunidade evoluiu para um furacão de indignação popular com o aumento imparável do crime. Entre os milhares de vítimas da guerra ao narcotráfico (mais de 200 mil mortos e cerca de 30 mil desaparecidos desde 2006), os crimes macabros, como o desaparecimento de 43 estudantes em Ayotzinapa (2014), ou a perseguição sem precedentes a jornalistas, activistas e candidatos políticos, o México transformou-se num palco de violência e insegurança. Os chefes dos poderosos cartéis de droga – pequenos grupos de crime organizado dedicados tanto ao narcotráfico como à extorsão ou ao tráfico de seres humanos – são quem dita verdadeiramente a lei em muitas regiões do país.
O ano de 2017 foi o ano mais mortífero de sempre, com 29,168 homicídios registados. Quase 80 mortes por dia e mais de 2400 por mês, que colocam a nu a incapacidade de resposta do Governo e as fragilidades da sua política de segurança – indissociável da guerra às drogas liderada pelo antecessor de Peña Nieto, Felipe Calderón (PAN).
Os dividendos políticos que o Presidente hoje recolhe resumem-se, por isso, a uma humilhante taxa de desaprovação de 80%. E é a perda de fé no regime personificado por Peña Nieto que move a sede dos eleitores de fazer uma revolução através do voto.
“Depois de 12 anos de sangue e de lixo, de violência e de corrupção, para os eleitores mexicanos é certo que não há maior perigo do que a continuidade do perigo existente”, reflecte nas páginas do El País o analista e professor mexicano de Ciência Política Jesús Silva-Herzog Márquez.

O grande “dinossauro”
Mudar é, pois, a palavra de ordem para estas eleições e, por aquilo que nos mostram as sondagens, não há ninguém melhor que Obrador a difundir a mensagem. Anaya, do PAN, aliou-se ao Partido da Revolução Democrática (PRD, centro-esquerda) mas tem sentido dificuldades em afirmar-se como um candidato da mudança. E Meade, ex-ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros de Peña Nieto, também não logrou descolar o ‘rótulo PRI’.
“Estamos cansados de ver as mesmas pessoas no poder, os mesmos dinossauros… queremo-los fora!”, diz ao New York Times José Sampedro, um fervoroso apoiante de AMLO presente num comício do candidato em Actopan.
As palavras de Sampedro são o reflexo do sucesso da mensagem de Obrador. Por que no caso da eleição presidencial, não há maior “dinossauro” do que ele. Para além de idade – tem mais 25 anos que Anaya e 15 que Meade – e das anteriores participações na corrida, o carismático candidato da esquerda é um dos rostos mais presentes na política mexicana das últimas décadas. Filho do PRI, onde despontou para a política nos anos 1970, e familiar do PRD, que presidiu nos anos 90, fez sempre parte da mobília do sistema político do México.
A ruptura com o establishment e a deriva para a extrema-esquerda deu-se pouco depois de um mandato bem-sucedido como presidente da câmara da Cidade do México – ajudou a transformar a capital num poderoso centro financeiro, entre 2000 e 2005, com um programa que teve tanto de liberal como de progressista – e consolidou-se em 2014, com a fundação do MORENA.
Pelo meio criou a imagem de candidato do povo e de representante da justiça social, tantas vezes impedido de chegar à presidência por um sistema caduco.
“A sua teologia foi a conspiração. Sobre um poder invisível e absoluto que lhe tirava, uma e outra vez, a vitória que merecia; uma ‘máfia do poder’ que ditava os seus caprichos, controlando a comunicação social, os mercados, as sondagens e os votos”, explica Silva-Herzog Márquez, que vê, no entanto, em Obrador “um esplêndido dirigente social”, um homem “misteriosamente eloquente” e o “mais talentoso político que o México conheceu em muitas décadas”. “Os planetas e os mosquitos estão hoje alinhados para lhe dar um triunfo arrebatador”, vaticina o académico.
O programa eleitoral de AMLO mistura a ingenuidade de quem quer combater a corrupção com a “simples moralidade” ou chamar o Papa Francisco para mediar um processo de reconciliação. Tem sugestões polémicas – como a possibilidade de oferecer amnistia a alguns criminosos – e promessas entendidas como eleitoralistas – como a redução do salário do Presidente em metade, a venda da frota aérea do Estado, a alocação de dinheiros públicos para reformas, bolsas de estudo e estágios profissionais, ou a oferta gratuita de fertilizante a todos os pequenos agricultores.
E no centro, bem no centro da sua mensagem eleitoral, há um arrebatamento anti-elitista e um desejo palpável de “varrer as escadas a partir dos degraus de cima”. “O problema está em cima. São os governantes que dão um mau exemplo”, repetiu vezes sem conta nos seus comícios. Estará também ele à prova se à terceira for mesmo de vez. A presidência já esteve mais longe para o “dinossauro” que sobreviveu.

Do DCM

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