AMERICANDO: O céu é contemplado, o inferno vivido

“seja amoroso, leal e honesto – e só!”.

Carlos Marighella

O céu de minha cidade é o céu mais lindo do mundo… Tão somente a minha opinião… nada mais… E onde é minha cidade? Iguatu, Ceará, Nordeste, Brasil, América do Sul… Ao fim da tarde, quando o sol se põe, olhando na direção da Lagoa da Bastiana, raios multicores fazem a cena inominável de bela no horizonte…  Olhar esses raios um pouco ofuscados por uma árvore e sua copa frondosa, com ar de natureza fúnebre, é algo sem explicação para os que sentem qualquer coisa da natureza em suas exibições artísticas, as quais são mais belas do que qualquer arte plástica da humanidade… Não há cogitação plausível humana para aquilo que chamamos de Deus… Como a natureza nos deixa pequenos… Onde é minha cidade?

Não há pranto que apague

Dos meus olhos o clarão

Nem metrópole onde eu não veja

O luar, o luar do sertão!

(Belchior, Princesa do meu lugar).

Minha cidade também é em qualquer lugar que eu possa ver a natureza contra a força especulativa imobiliária… por trás dos arranhas céus eu contemplo os raios de sol, vejo as árvores frondosas no centro antigo de qualquer cidade… elas são centenárias… No meu Iguatu há umas árvores na Rua Floriano Peixoto, antiga Rua do Fogo, próximo à padaria de Luiz Perpétua… O povo daqui chamamos de “Os Benjamins”. Dá angústia perceber e saber na prática que nossas cidades acabam com a vida e biodiversidade que existem na natureza. Vejo que o maior problema desse mundo é o ser humano. No bairro onde eu morro, assim como quase boa parte dos bairros de Iguatu, há várias construções e loteamentos de casa próximos à antigas lagoas ou próximos ao Rio Jaguaribe, ou ainda em cima daquilo que no passado recente já fora uma lagoa, não dá para fugir disso… Já vi na rua onde moro téus, lobos-guarás, cobras de várias espécies, inclusive sucuris e até gambás… Pobre fauna… perdida… sem rumo em meio à especulação sem fim dos anseios humanos em busca do vil metal… Degradação, poluição, aterramento de lagoas, extinção, queimadas, lixo, contaminação nas relações entre humanos, fauna e flora nas quais essas duas últimas levam sempre a pior… Ouvi uma pessoa dizer que em muitos bairros de Iguatu há muitos bichos, eles estão invadindo as casas… Pensei, só pensei: “Estes bairros estão cheios de gente… os tais bichos já estavam aqui antes…”. O mais interessante é que passando pela Rua do Cruzeiro, próximo ao morro do Cocobó, vi uma placa que oferecia um serviço de controle de pragas urbanas. O hilário é que a placa estava de costas para uma lagoa rodeada de outras tantas residências praticamente à beira dessa lagoa… Acho que as tais pragas urbanas não são roedores, cupins, baratas e outros, mas inevitavelmente nós, humanos “racionais”, que destruímos o meio ambiente que tudo nos dá… “A Prática é o critério da verdade”, assim falou/escreveu Carlos Marighella. Temos uma prática destrutiva, especulativa, ambiciosa, beligerante, sem empatia, desigual e cruel, logo uma verdade oriunda dessa prática não há de ser boa para as relações humanas e a biodiversidade no planeta… O sistema que nos oprime, aliado à covardia tão comum a nós humanos, nos fazem mais infelizes… Como somos hipócritas… amamos ilusões… e os poderosos fazem guerras para outros milhares de nós morrerem…

O mais angustiante nessa celeuma entre humanos, vida natural e nosso ego especulativo, fantoche do capitalismo neoliberal, é contemplar o show de aberração do discurso ético, social, político, existencial e teológico de muitos cristãos… Ávidos por poder em meio ao comércio da fé, impondo medo à pessoas humildes; alguns líderes de algumas instituições religiosas rasgam preceitos da fé genuína da seita do Nazareno para sentarem à mesa de uma política bélica, genocida, corrupta, antidemocrática, preconceituosa, destruidora dos recursos naturais, anticiência, tosca, irresponsável, desumana, insensível ao sofrimento do povo e serviçal do capitalismo financeiro internacional, para tão somente terem um pouco de poder ou talvez favores políticos, quiçá perdão de dívidas de algumas instituições religiosas? Se declaram a favor da vida, são contra o aborto, alguns dos cristãos manipulados por líderes religiosos que viraram cabos eleitorais de políticos fanfarrões; porém, paradoxalmente, são a favor da pena de morte… Meu… Deus… “pare o mundo que eu quero descer…” (Raul Seixas). Essa querela aconteceu, acontece e há de nos próximos anos ainda acontecer, não só no céu de minha cidade, mas no céu de todo Ceará, Nordeste, Brasil, América do Sul e mundo… Detalhe: madames ricas fazem aborto clandestinamente, mas líderes religiosos não falam destas… As mulheres pobres, negras e faveladas às vezes morrem tentando fazer aborto… É um caso de saúde pública, porém a maioria prefere não tentar entender, pensar ou ajudar, apenas julgar conforme a opinião teológica do líder que tem outros interesses… Quanta hipocrisia e alienação… E são todos “cristãos” contra o aborto e a favor da pena de morte…

Temos um problema ao mesmo tempo econômico, que gera outro ambiental, que por sua vez as relações socias geraram outro psicológico, o qual determina interpretações de preceitos éticos religiosos, ao bel prazer, para satisfazer o ego de uma elite “cristã ocidental” ávida por poder, poder, poder e poder…  Detalhe: até usam o nome de Deus em vão citando João 8: 32, contudo mentem todo dia…

Eis o sistema que humilha, engana e mata milhões e milhões de vida ao redor do mundo, moldando a ideia de Deus, fé, impondo medo, destruindo o meio ambiente para lucrar, fazendo guerras e mais guerras, mas dizendo defender a família e os bons costumes de ameaças ideológicas que querem nos destruir…  O pior é que esse sistema tem cúmplices no meio do povo… por isso é tão forte…

A luta de classe sem dúvida é o motor da História…, porém… a religião é o combustível…

*Por Américo Neto

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