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AMERICANDO: Orgulhosos da ignorância e carentes no interior

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Tudo é interior, tudo é interior

Tudo é interior

Interior interior

Inté a capital inté a capital

Que babiloniou”

(Belchior, Cemitérios, 1974).

Não é algo totalmente bom ter um senso aguçado de percepção sobre a realidade. Falo da realidade vivida, sentida, visualizada e tudo que nos é apresentado no cotidiano banal de nossas sofridas vidas. Sim, sofridas. Se você não é um empresário milionário, bilionário ou trilionário – há poucos no mundo; se você não é um alguém que pode tirar um ano sabático sem se preocupar com boletos, sem trabalhar no pesado, sem precisar acordar cedo e sem patrão, sua vida também é inegavelmente sofrida. Vamos a alguns fatos aparentemente sem nexo com esta introdução. Este mundo com sua fábrica itinerante de tristeza nos deixa ignorantes e carentes. Temos que vigiar…

Ouvi muito e ainda ouço os mantras: “O governo vive dando dinheiro ao povo, por isso não se encontra mais ninguém pra trabalhar”, a frase é dita por um pobre igual a mim e você. Sim, um pobre. O outro, bem comum é aquele: “Bandido bom é bandido morto!”, esse é clássico! O top 5 dos ditados do cotidiano dos ciclos dos paladinos da moral! Mas se o bandido for da ideologia de quem arrota esse mantra, a coisa muda. Outro, por um momento, especialmente nos idos de 2018, era a tônica das rodas de conversa sobre política, principalmente dos que não sabem nem o conceito de política e seguramente não lembram nem em quem votaram para deputado na última eleição. Segue o mantra dos intelectuais pós-modernos que têm como fontes vídeos de 2 minutos do YouTube: “Eu não tenho bandido de estimação!”, vixe! Pense… numa frase que arrepia todos os cabelos do braço dos que a ouvem… Sem falar no total desprezo pelas instituições, pelo conhecimento, pelos livros clássicos, filósofos, educadores, pesquisadores, historiadores além do deboche para com intelectuais consagrados pela vida e produção acadêmica. Foi e ainda continua sendo um show de “intelectualidade” forçada por parte de uma galera. São geralmente figurões da política, influenciadores digitais, alguns “intelectuais revisionistas”, líderes espirituais e gente que nunca leu, nem ler, não lerá e se orgulha do que não sabe, negando justamente o que desconhece… Deduzo que alguns “intelectuais” fazem um trabalho de desinformação proposital em prol de alguma causa, fato que induz muitos que querem apenas negar sem conhecer. Há uma parcela da sociedade que infelizmente odeia outro pobre que conseguiu certa ascensão social. É um país que às vezes um pobre tem raiva de outro pobre…

Nessas cenas do cotidiano banal me veio uma análise bem divertidamente irônica para entender, suportar e tentar mudar no âmbito tão somente pessoal objetivamente a realidade. Chamo tal análise ou nomeio tal visão por “Complexo do controle remoto”. Não dar para resolver problemas e situações existenciais, sociais, políticas, financeiras, espirituais e outras tantas apertando um botão para mudar as coisas. Surgiu uma leva de vídeos nas redes sociais ensinando o povo a enricar. A alcunha para esses mestres da arte do Tio Patinhas foi o nome coach. Além da prosperidade veio também um combo de maneiras para se viver bem, superar dificuldades, qualidade de vida, espiritualidade e outras tantas coisas que enchem a mente desejosa de quase todos. Mas o principal objetivo desses vídeos eram ensinar o povo a enricar. Melhorar de vida, ser proativo, dono do seu tempo, não ter patrão e outras tantas coisas do mundo de quem ficou muito bem de vida financeiramente só falando. Até agora quem melhorou de vida realmente foram alguns dos que vendem cursos e palestras ensinando a muitos a se tornarem um milionário. Outra, Deus é citado nisso tudo, muitos desses coach são, é o que eles dizem; cristãos, a favor da família e patriotas. Alguns possuem inspirações para política, lógico. O paradoxo é que eles concordam com a economia de mercado neoliberal. Como ser patriota assim?

Um nome que veio com tudo seguidamente de todo desprezo pela educação, conhecimento, com todo ódio pelas classes subalternas, com toda fúria em falar que são pessoas de bem, de Deus, que respeitam a família, com todo patriotismo amando os EUA e que creem que vão ficar milionários com os ensinamentos de um coach, foi o termo “Empreendedor”. Cheguei a ouvir: “Para que estudar se eu posso empreender! Na escola não aprendi nada! Esse povo da educação é uma escória!”. Uma leva de adolescentes, trintões e quarentões “investindo” no mercado financeiro e comprando cursos. Os tais cursos ensinam maneiras de investir no mercado financeiro e o indivíduo que não gosta de estudar, e quer ganhar dinheiro fácil no que chamei de “Complexo de controle remoto”. Entraram nessa gastando com computadores de última geração para de forma precisa, investirem no mercado financeiro. Até agora, repito, só quem enricou foi quem vende pela net esses cursos. Essa galera que inventa de investir no mercado geralmente é sustentada pelos pais aposentados, nunca passou em um concurso público, não trabalha, não estuda e critica o estado. Gosta de bradar “Estado mínimo já!”. O paradoxo é que os pais são aposentados de algum órgão público e sustentam esse povo. Mercado financeiro é para os “escolhidos”, não para a maioria da população que mal possui dinheiro, imagine capital. Essa galera juntamente com alguns religiosos, que é o próximo tópico, gosta de ditadura. Pediram intervenção militar.

O combo termina com os religiosos, com os líderes religiosos sobretudo e alguns dos seus seguidores. Eles dizem ser de Deus, dizem ser pessoas boas, do bem e que querem que as pessoas sejam salvas. Mas em uma pequena análise, não de todos, lógico, mas de uma parte considerável, há um sistema que antes de ser religioso é essencialmente um comércio. Algumas pessoas começaram a frequentar uma comunidade religiosa, foram acolhidas e passaram a viver em um nicho que antes não tinham. Eles ajudam-se mutualmente e essa rede solidária entre eles permitem que muitos melhorem sua situação financeira. Até aí tudo bem, tenho respeito pela fé de todos, e por essas pessoas humildes que buscam ajuda espiritual, mas… Quando chega as eleições o líder religioso com todo o “conhecimento espiritual” diz quem é o candidato que o irmão deve votar. Não é uma realidade de todas as instituições religiosas, mas é uma realidade bastante corriqueira em algumas. Outro paradoxo é que muitas vezes os candidatos que o líder espiritual induz essas pessoas que frequentam essas instituições a votarem, nada têm de semelhança com Deus, com Jesus Cristo! Nada! E pior, são geralmente políticos que destroem direitos dos trabalhadores, que privatizam os serviços públicos, ou seja, os irmãos votam contra o próprio futuro em nome de Deus… Aliás, um “deus” que é interpretado conforme a ideologia de algumas instituições, não o Deus realmente bíblico. Muitas dessas pessoas que frequentam essas instituições são humildes, pouco instruídas e mesmo as que possuem instrução, por trabalham muito, não possuem o hábito de ler, logo ficam com a interpretação bíblica do líder espiritual. Esse líder ver nelas uma rede de colaboradores que induzida por seus ensinamentos, podem tornar-se capital político de suas escolhas eleitoreiras e interesses pessoais. Por isso muitos figurões da política não tiram Deus dos discursos e frequentemente são associados a comunidades religiosas. O interesse geralmente é voto, não expressão de fé genuína em Deus nem tão pouco nos dogmas da comunidade religiosa.

Lembrei-me de um verso do grande sobralense: “Mas sei que nada é divino, Nada, nada é maravilhoso, Nada, nada é secreto, Nada, nada é misterioso, não…” (Belchior, Apenas um Rapaz Latino Americano, 1976). Uma parte desse povo não ama, odeia muito, não entendeu a lei da semeadura e nem se quer entendem no que acreditam, mas defendem com o elemento principal disso tudo travestido de religiosidade: ódio. Sim, infelizmente muitos odeiam, pois a religiosidade entra na escala da prosperidade financeira e a competição econômica é uma lógica. Deduzo que muitos, não todos, que entram em uma instituição religiosa são guiados por três sentimentos: culpa, medo e ambição. A culpa é algo que temos, pois sabemos de nossos defeitos; o medo é o medo do inferno, ele é um dos medos que nos moldam socialmente; já a ambição é um arranjo entre religião e a economia de mercado. Deus virou uma barganha, ajude a comunidade religiosa que Deus vai te ajudar.

O país está dividido e nessa toada se nada for feito, se as instituições não agirem contra os vândalos, teremos um futuro terrível, um caos social jamais visto nesse país – pior do que 1964 – e a morte da democracia será decretada com atestado de óbito por fake News como causa principal.

Que Deus nos abençoe e nos acolha com sua imensa misericórdia, pois a depender de muitos “intelectuais”, dos coach, empreendedores, de líderes religiosos corrompidos, influenciadores digitais e de alguns políticos que possuem muitos seguidores, que acreditam em um Deus cruel, que mentem descaradamente, “ouvem e seguem” alguns desses religiosos corruptos, estaremos bem encrencados. Amém, não!

Por Américo Neto.

Email: zeamericoneto@hotmail.com

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