AMERICANDO: Caminhei em um jardim de ipês

“Se alguém vier pedir o meu conselho
A gente não aprende no espelho
A gente vive e sofre pra aprender”
(A vida quis assim, Oswaldo Montenegro, 2011).

É… algumas pessoas e coisas se foram… Meu avô também se foi, ele era uma estrela que brilhou, brilha e ainda brilhará, pelo menos em meus sentimentos, memórias nostálgicas, na solidão da casa à noite e em qualquer coisa que lembre ele. Sou grato por ter sido seu neto, infelizmente padeço da saudade. Padeço também de muitas outras saudades. Um dia em uma determinada cidade, andei por um jardim de ipês.

Um grande artista, talvez um dos maiores que a arte nos deu, disse que o andar na chuva é bom porque se você chorar, ninguém percebe. Nesse dia que caminhei nesse jardim de ipês estava chovendo. Apenas uma pessoa me viu lá. Acho que estava em uma atmosfera como a minha, só acho…

O melhor lugar para pegar impulso é o fundo do poço, esse pensamento captei de um documentário dito por um cidadão chamado Eduardo Marinho ou “Filósofo da rua” como alguns o chamam. Ele não gosta da alcunha. Acho que ele é bem mais do que um filósofo…

Tudo passa… ainda bem, pois se fossemos viver só de ontens, não estaríamos em uma situação muito boa… “Nada melhor do que um dia após o outro, pra sanar os nossos corações…” (Os Nonatos). Infelizmente muita coisa ainda não passou… alguns sentimentos pairam e algumas crueldades injustas da vida não consigo entender. Mas algo sempre acontece, pois não consigo odiar ninguém, dou o perdão, viver odiando é muito ruim… Apenas vejo a colheita seguir o curso normal de devolver o que foi jogado à terra… Lembrei-me do reverendo Martin Luther King que disse certa vez: “Eu decidi ficar com o amor, o ódio é um fardo muito grande pra suportar”. A vida tem dessas coisas… Não é fácil, nunca foi fácil, não está sendo fácil e nem será, porém sou grato a Deus, pois em face dos momentos mais angustiantes e geralmente só da vida, assim são esses momentos, Ele me faz trinfar. Por isso é bom chorar na chuva. Ao caminhar por esse jardim vi o quanto é solitário alguns momentos da vida, o quão doloroso é contemplar o abandono dos que vivem próximo, como é doloroso vivenciar a partida de alguém, pois quando o silêncio dá o tom de sua presença a consciência grita.

É um texto bem distinto de todos que já fiz… Soa como algo superativo ou autoajuda, porém me recuso a autoajudar alguém e consumir algum fruto desse universo da superação de coach religioso, nada contra e nem tão pouco a favor, apenas indiferente. Aqui não quero de imediato ajudar, mas evidenciar uma decadência ou fraqueza da humanidade de forma realista, conforme minha visão de mundo. Se com isso ajudo, tudo bem…

Nesse jardim de ipês andei pensativo. Era uma tarde bem turva, chuva fina e meu caminhar estava sem ânimo. Ao longe vi uma mulher, chegamos a passar um pelo outro, mas ela pouco me olhou e nem tão pouco percebeu a minha tristeza, a minha falta de orgulho e o meu penar. O pouco que olhou foi totalmente indiferente ao meu ser. Olhei ao redor e tive a impressão de ter visto meu avô, mas não vi mais ninguém, só a névoa que ofuscava a paisagem distante e eu mal podia ver a copa das árvores. Não foi uma tarde que me deixou boas lembranças. Muita angústia, me senti fraco e acho que pensei mais no que recebi da vida, do que na minha própria existência. Diante de tudo ainda não entendo o que aconteceu… Não tive ninguém que me ajudasse, apenas o silêncio, a indiferença e a natureza nostálgica e imensa da chuva que caía a humilhar um pobre mortal em sua solidão…

A vida é curta, temos pouquíssimo tempo e mesmo assim complicamos demais. Cheguei em casa, tomei meu café, olhei para o céu. Muitas lembranças, saudades e nostalgia… Escutei uma música que dizia assim: “[…] que amores terminam no escuro sozinhos[…]” (Resposta ao Tempo, Aldir Blanc, Cristóvão Bastos, 2005). A vida muda muito rápido, coisas boas e ruins acontecem o tempo todo, quando nos damos por conta, ganhamos ou perdemos… Em meio a tudo, depois que cheguei da caminhada no jardim de ipês, com muitos pensamentos e saudades, entendi que nos faltam muita humildade, gratidão pelas pessoas que nos ajudam, cuidado com o outro; porém, nos sobram ingratidão, egoísmo e indiferença.

Ninguém é igual a ninguém… a vida é assim, somos diferentes, podemos ver as mesmas coisas, mas não as vemos da mesma maneira e também não sentimos do mesmo modo. Temos percepções diferentes… Ser diferente é normal, somos imperfeitos, precisamos aceitar os outros como são, embora não tenhamos as mesmas opiniões. Precisamos nos humanizar, simplesmente… Entender ou tentar entender para ser entendido, e principalmente perdoar para se libertar da angustia, pois somente aqueles, pelos quais nutrimos sentimentos, têm a capacidade de nos ferir. O tempo sabe passar, nós não. A memória retém muitas coisas que não gostamos, mas também internaliza muitos passados que adoramos relembrar… Nada do que fazemos é completo, nada em nós é perfeito, não escaparemos do erro, somos mestres da imperfeição. Somente a natureza e sua imensidão é perfeita, imagens esplendidas do Arquiteto do universo… Isso é perfeição, nós jamais… Há muita coisa que eu ainda queria dizer…, mas acho que já disse, ou foi um sonho essa caminhada no jardim de ipês? Não sei mais… Melhor o silêncio e a resignação falarem por mim. Antes do fim, lembrei-me de uns versos do Dr. Tristeza, certamente um dos mais conhecidos do vate. Aqui estão:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
(Versos Íntimos, Augusto dos Anjos).

 

Por Américo Neto
Email: zeamericoneto@hotmail.com