Policial

Acusados de matar travesti Dandara não foram julgados após um ano; ‘Choro todos os dias’, diz a mãe

Published

on

Um ano após imagens do assassinato de Dandara dos Santos ‒ travesti espancada e morta a tiros no meio da rua ‒ revoltar e comover o país e parte do mundo, oito pessoas envolvidas no crime foram denunciadas; destas, seis estão presas e duas foragidas. Dos maiores de idade acusados, ninguém foi julgado, o que gera muita tristeza à família, conta a mãe a reportagem. Três adolescentes cumprem medidas socioeducativas por participação no caso.

Dandara, então com 42 anos, foi morta no dia 15 de fevereiro de 2017, no Bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Na época, um vídeo circulou nas redes sociais mostrando a crueldade do crime.

Antes de desferir os disparos que mataram a travesti, os agressores torturaram Dandara com murros, pedradas, chutes na cabeça e golpes de pau, no meio da rua e à luz do dia. Ensanguentada, prestes a desfalecer e sem condições de revidar ou pedir socorro, ela foi jogada em um carrinho de mão e levada para uma rua ali perto, onde seria morta.

Já de acordo com a Secretaria de Segurança Pública, ao todo, 10 suspeitos foram capturados e indiciados por homicídio qualificado. O crime foi dado como “elucidado”.

O caso tramita na 1ª Vara do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, na capital. O advogado da família, Hélio Leitão, afirma que dos oito denunciados, cinco foram pronunciados para ir a júri popular responder por homicídio triplamente qualificado. Um deles recorreu. Com isto, a esta altura do caso, apenas quatro dos agressores identificados estão prontos para ir a júri, explica o advogado.

As qualificações do crime são motivação torpe, crueldade e meio que impossibilitou a defesa da vítima.

‘Ele era incrível’
Dona Francisca Ferreira, mãe de Dandara, diz que ainda chora todos os dias. A alegria, segundo a mãe, característica na filha, foi embora com a morte cruel de Dandara. Um ano após o assassinato, dona Francisca conta que os dias ainda são de “muita tristeza, muita falta e muita saudade”.

Como descreve a mãe, Dandara era uma pessoa muito alegre, do bem, prestativa, e tinha o sonho de ajudar dona Francisca a terminar de construir a casa, no Bairro Conjunto Ceará, onde a família mora há mais de 40 anos.

“Ele dizia que não podia trabalhar porque ninguém dava emprego, mas podia vender umas roupinhas, umas coisas pra me ajudar. Ele tinha o sonho de ter o quartinho dele, as coisinhas dele, o guarda-roupa…”, relembra dona Francisca.

Dor e superação
O sofrimento da mãe não é novo. Em 2015, dona Francisca já havia perdido Sheila, outra filha travesti, com 35 anos na época. A mãe conta que Sheila tinha um coágulo no cérebro e sofreu hemorragia interna após uma queda.

Foi a aposentada que encontrou o corpo da filha caído no quarto, ao chegar em casa em maio daquele ano.

Em 2017, foram duas perdas na família. Um dia antes de completar três meses do assassinato de Dandara, em maio, um dos netos criados por dona Francisca foi morto a tiros no bairro. O rapaz tinha 24 anos.

“Atiraram nele pelas costas. Ele foi comprar refrigerante, não queria que ele fosse porque domingo era o aniversário dele e Dia das Mães, e ia ter muito refrigerante. Quando vinha saindo do mercado, ele foi atingido pelas costas”, conta a avó.

Hoje, dona Francisca mora com a filha Sônia e o neto Henrique. “Tem que ter muita fé em Deus pra ter força”, afirma.

Os pertences de Dandara, ela doou a uma instituição de apoio a pessoas com deficiência visual, inspirada pelos gestos da própria filha.

Homofobia
Segundo um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia, com base em notícias veiculadas pelos meios de comunicação, o Ceará ocupa o quarto lugar do país em número de crimes contra pessoas da comunidade LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

No ano passado, 30 pessoas foram assassinadas por motivação homofóbica no estado. O levantamento foi divulgado em janeiro deste ano.

Quando fica sabendo sobre homicídios de travestis, dona Francisca diz que se afasta da TV. Prefere não assistir, para não correr o risco de ver a filha entre as notícias.

Para lembrar de Dandara além das imagens cruéis da morte e reportagens dos jornais, a mãe guarda uma camisa. Segundo ela, “é o mesmo que ver Dandara”. Foi o que restou.

Fonte: G1/CE

EM ALTA

Sair da versão mobile