Americando
O fim e o adeus: ao meu avô falecido em 7 de outubro de 2024
Algumas coisas não são boas de escrever. Outras, nem boas e nem tão pouco ruins, apenas legalismo e pragmatismo puro. Algumas poucas, bem poucas, são boas.
Escrever é essencialmente necessário… Lembro-me do mês de abril do corrente ano, quando fui pernoitar na casa de saúde de Iguatu, para acompanhar meu avô que na
ocasião já se encontrava muito mal de saúde. Uma noite para, se possível, esquecer… Até o momento não esqueci e creio que pelas lembranças dessa noite nunca ei de
esquecer. Escrever talvez seja um capricho que me deixa à vontade para ir lembrando pouco do fato e como estar escrito, poderá me fazer lentamente ou me dar a
possiblidade de esquecer. Escrever às vezes faz isso.
Vi o homem mais forte que conheci frágil, fraco, com lapsos de memória, falando pouco, gemendo e com um olhar profundo quando nos encaramos. Eu ao lado
do seu leito sentado em uma cadeira. Ele deitado de lado a olhar para mim. Contemplei seu olhar, sua face envelhecida, seus olhos perdidos no tempo, os sinais em seu rosto,
em dor e em um mundo no qual já havia visto demais… Em um momento eu apertei sua mão, ele devolveu o aperto, mas sem a mesma força que sempre tinha e me deixava com
receios antes de lhe pedir a benção. Ele me olhou e esbouçou um sorriso tímido.
Essa noite foi longa… No quarto havia outro paciente com o seu acompanhante além de mim, meu avô e um tio meu que também lá estava. A noite foi muito
angustiante. O ambiente de hospital não nos traz uma atmosfera confortável. Acho que Hollywood com sua indústria cinematográfica traz a muitos essa percepção. Meu avô há
muitos anos sofria de várias coisas, consequências de muitos anos de trabalho duro na roça e o peso dos seus mais de noventa anos. Tive que pernoitar por não ter sono, fato, e
pela vigilância em um aparelho que ficava ao lado da cama dele emitindo um som de um bipe a cada alguns segundos. Haviam leds e um painel com números nesse aparelho
e fios que se ligavam ao seu corpo. A enfermeira de plantão disse-me que se uma determinada luz do aparelho acendesse e o número no painel eletrônico marcasse três,
eu fosse rapidamente avisá-la. Foi uma noite longa, angustiante e não me lembrei de sono. Às vezes meu avô queria sentar, pedia água. Mesmo magro ele pesava muito.
Nesse ínterim em meio aos auxílios em ajudá-lo a sentar, lembrei-me de muitas coisas: suas histórias de trabalho, causos que os parentes contaram-me sobre ele, o que ele
mesmo contou-me em nossas longas conversas e ele ali frágil, decadente, logo tivesse certeza de que o fim estava próximo. As seis da manhã tive que sair, era um domingo,
outra pessoa da família chegou para ficar com ele. Dias depois ele melhorou, recebeu alta e foi para casa.
Após essa saída do hospital fui visitá-lo duas vezes em sua residência. Na primeira vez ele não me conheceu, olhar vago, face sofrida, continuava com os lapsos
de memória e depois adormeceu. A última vez que o vi com vida ele me conheceu e disse: “Meu rapaz…” e depois emendou com um “Tô morto…”. Depois perguntou por
algumas pessoas a um outro neto que lá também estava. Despedi-me dele, apertei sua mão e seu olhar vago olhava-me com aqueles olhos claros, os quais pude perceber já
pouca luz, seu ser mais do que abatido, sua pele com uma cor diferente, uma falta de força e energia incomum para o homem com quem sempre conversei em muitas das
ocasiões em particular. Era intensão minha sempre conversar com ele a sós. Saí… e tive uma impressão de que não mais o veria com vida, porém sabotamos a mente
corriqueiramente e fingimos não saber daquilo que a lógica natural das coisas evidencia.
Os seres selvagens aceitam o fim… recolhem-se e morrem naturalmente como que aceitando o fato lógico da vida; nós resistimos, choramos e sentimos falta dos que
partem. Nessa última visita senti que meu avô não habitava mais aquele corpo, ali não era mais ele, apesar dos sinais vitais ainda persistirem…
No dia 7 de outubro deste ano foi uma segunda-feira. A segunda-feira mais nebulosa deste ano para mim. Uma tia me ligou e noticiou a partida do meu avô. Nesse
dia ele já não estava mais entre nós, entre suas dores, na existência construída do seu ser calejado pelo trabalho, com o olhar vazio e sem luz para o nada… O meu herói tombou,
como todos os heróis… Os heróis sempre tombam e não foi Hollywood que inventou isso. A História é clara, pontual, pragmática, legalista e cruel. Meu avô livrou-se do
carma, da dor, das consequências que o fardo dos anos lhe trouxe.
Fui ao seu velório, mas o que mais me chamou atenção dos sentidos foi ver e entender, visão e sentimentos essencialmente subjetivos, que meu avô ali no alpendre de
sua casa onde por muitas vezes conversamos, não estava mais ali, apesar de ser o seu corpo estendido em um caixão à vista de todos. Sua essência não mais estava ali naquele
corpo, nem parecido com ele ficou. Não era mais ele, parecia uma vela consumida, das últimas vezes que lhe visitei o fogo no alto da vela já estava trêmulo e a vela se
aproximava do fim… A noite no velório foi longa, mas confortante. Pude conversar com muitos parentes que há tempos não os via e alguns poucos amigos, vale ressaltar estes,
apareceram para me prestarem condolências. Alguns familiares por morarem longe não puderam vir. É um povo que se encontra pouco.
No cemitério levei seu caixão até o jazigo da família e por talvez curiosidade esperei até seu corpo descer ao sepulcro. Seu corpo que não tinha mais nada de seu. Ele
não estava mais ali… Acho que seu espírito voou no último suspiro para um lugar que as religiões fazem um esforço homérico para explicar, mas o fato é que estamos envoltos
em um mistério que alguns ousam em esforço para representar entendimento, contudo estamos todos perdidos em inúmeras explicações que mais nos angustiam do que
confortam. O ser humano envolto em religiosidade não adora nada mais do que a si mesmo. Quando das jogadas de pá de areia na cova uma pessoa entoou um cântico
sacro. Foi a minha pá de areia. Saí imediatamente, lembrei-me de um verso de um poeta: “Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice/ Desta eterna falta do que
falar”. No carro refleti sobre algumas coisas. Meu avô nunca precisou de guia, seu Deus, ele me disse, era a fé que ele colocava no trabalho. Não era religioso, nem tão
pouco contava lástimas e nem tão pouco procurava aconselhamentos com religiosos.
Uma vez ele falou-me a respeito dos religiosos: “A melhora desse povo é só pra ele mesmo, não estão querendo ajudar ninguém não”. Fui para casa, a noite do velório
havia sido longa.
Espero que meu avô encontre no desconhecido algo que aqui o dinheiro não compra: paz. Aqui ele muito trabalhou, sofreu e muita coisa lhe decepcionou. Ele em
ocasiões que tivemos revelou-me algumas de suas angústias e decepções por coisas que não aconteceram como ele queria. Tais coisas vão ficar comigo. Lá onde ele está agora,
se é que existe algo depois daqui, espero que esteja bem; se nada existir após esse mundo, ele foi o que foi, assim como todos. Um dia partiremos, a morte faz parte da
vida e no futuro o esquecimento será nossa morada.
Adeus vovô.
Por Américo Neto.
Contato: zemericoneto@hotmail.com
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