AMERICANDO: Um belo parque de Ypês

“A mente quer ser, mas querendo erra
Pois só sem desejos é que se vive o agora”

(Ypê, Belchior, 1980).

Um dia você é acordado com um café da manhã, felicitações de mais uma primavera, beijos, abraços e alguns mimos. Dias depois você não é mais lembrado.  As relações humanas são facilmente no cotidiano banal, na vivência prática da maioria das pessoas, descartadas. Muitos que usam e descartam o próximo nada sentem. Consciência, cuidado com o outro, com os animais e meio ambiente é algo que alguns não sabem o que é e nem possuem… Humanizar-se é um processo lento e destinado aos fortes, aqueles que têm coragem de enxergar os próprios defeitos. Creio que não morremos apenas no dia do fim de nossas funções vitais. Alguns já morreram e não se deram conta. Um certo cidadão já disse algo que evidencia isso: “Deixe que os mortos sepultem seus próprios mortos. Você, porém, deve ir e anunciar o reino de Deus” (Lucas 9:60-62). Viver para si não é viver, espiritualidade é mais importante do que religião…

Comprei uma cafeteira, joguei a outra escova do armário fora, acordei dias depois e não mais lembrei-me do que passou… “No presente a mente, o corpo é diferente /E o passado é uma roupa que não nos serve mais” (Belchior, 1976).  Sim… não havia um amor intenso, concordo; e da outra parte tenho quase certeza que não, pois sem muita cerimônia, a presença tornou-se silêncio e ausência… Argumentar? Para quê? Não há o que falar com quem o entendimento é para si, a consciência de mundo é para o ego, o interesse vem antes da compaixão e o amor, carinho e afeto se confundem com assistencialismo. Sim… o ” amor ” só dura o tempo que as suas posturas são mais caras do que o “assistencialismo” que você oferece. Até a fase do encanto passar a coisa anda, mas a partir do momento que o gênio entra em confronto… pronto… Enquanto você agrada tudo bem…, mas quando suas opiniões afetam o status quo de quem diz defender a verdade, mas ama a ilusão… já era… Às vezes não é nem opinar, o simples jeito de olhar para as coisas ou o silêncio diante de absurdos cotidianos que todos concordam, já são o bastante para ser mal visto… O absurdo hoje parece que virou regra…

O custo que pagamos para sermos nós mesmos nunca é demais. Difícil é usar um sapato apertado com pretensão de elite, quando na verdade nem para dublê de rico o indivíduo consagra-se. Foi bom demais… mais uma vez presenciei alguns que julgam-se ser família tradicional fornicando na ambição, ódio, ávidos por dinheiro, querendo vender voto, falhos de entendimento até daquilo que deviam conhecer e sem nenhuma humanidade.  Possuem um rito semanal de encontros religiosos, mas a razão e nem a fé existem.  O que existe é um ciclo social de um clube, ao qual vão exibir o ego em que querem demonstrar socialmente que são corretos. Cheguei a ver os dentes desse povo rangerem de ódio de outros pobres como “eles-nós”, que conseguiram algo na vida. São essencialmente odiosos, mas carregam a indumentária da ovelha. São praticamente carentes, iludidos, desinformados de quase tudo, inclusive da própria fé que professam, e pelo incrível que pareça, gostam da mentira. Não consigo ter raiva deles, mas dó, porém acho lógico o preço que pagaram, pagam e pagarão por acreditarem em ilusões de homens… “E eu quero é que esse canto torto / Feito faca, corte a carne de vocês.” (Belchior, 1974).

É… simplesmente assim. Estava tudo “aparentemente” bem, mas a pressão social invade os sentimentos e Baco perde para Apolo. Mas Apolo é cruel, ele reprime os instintos mais genuínos que temos e à noite antes de dormir irás sentir saudade daquele desejo que te fazia ir as estrelas… Esse Apolo é o processo de acomodação de uma sociedade que não suporta ser livre e tenta reprimir os que dançam no silêncio… É o estigma de uma sociedade machista que usa a religião como pilar de sustentação. Conheci umas mulheres que vivem sob o jugo de um casamento aparentemente perfeito, mas elas não têm vez na hora de escolher. O marido fala, elas silenciam… Esse Apolo não é grego, é parte de uma metáfora para se dizer e não dizer.

O padrão social imposto para o enquadramento em alguns ciclos, regido por pitadas de um cotidiano regrado a fins de semana em atividades religiosas, levam muitas pessoas a reprimirem paixões violentas. Isso custa muito caro para os corações e mentes. A face enruga-se, o corpo sente o peso dos anos e o ventre perde a fertilidade.

Vale a pena o enquadramento para a solidão? Ou para uma vida conjugal sem desejo? Uma vida conjugal apenas de responsabilidades e obediência a uma fidelidade que te faz ser infiel consigo mesmo? O primeiro ser a ser traído é você nessa ordem social de inventar que um deus quer isso e você segue mesmo sem entender. Apenas segue por puro orgulho daquilo que queres que os outros pensem, mas o corpo se rói dos desejos intensos mais selvagens que loucamente esperam em fúria a liberdade…

Tudo isso é sobre várias coisas. Dias após dia as coisas ficam melhores, pois a vida ensina que a travessia deve ser realmente só. Lembrei-me de mais uns versos do bardo de Sobral:

Odeio a tua paz
Rejeito o teu perdão
Pois qualquer sofrimento passa
Mas o ter sofrido não

O amor que diz talvez
Não é gozar nem paz
Deixa sempre a desejar
Deixa no ar atrás

Casos descasos
Desastres da paixão
Oh, real ilusão
O bem e o mal em vão

Casos descasos
Desastres da paixão
Oh, real ilusão
Amor de perdição

(Belchior, Amor de Perdição, 1980).

Tudo passa… ainda bem… O bom são as histórias que ficam, risadas, o humor que isso tudo irá trazer, além de ter, quando pude, ajudado. Agradeço a Deus, pois não consigo mais odiar ninguém… amém!

Por Américo Neto.

Email: zeamericoneto@hotmail.com