Ao meu avô falecido em 7 de outubro de 2024

Parte II – Filosofias e causos.

“Nesta história se vê 

a força que o amor tem 

e Deus o quanto ajuda 

ao homem que pensa bem 

tendo força de vontade; 

só a negra falsidade 

nunca valeu a ninguém.”

(Silva, 1977, História de Mariquinha e José de Souza Leão).

Meu avô traz para mim a imagem ou arquétipo do ser mais forte que já conheci. Passei a infância ouvindo histórias de seus feitos extraordinários e incomuns para a maioria dos homens. Soube certa vez que ele e outro homem conseguiram colocar em um carro de carga uma moenda de engenho, a qual me disseram que pesava 12 arroubas. Algo muito estravagante. Nesses relatos ele simplesmente irá ser totalmente percebido em essência por um neto que é fã de seus modos. Esse é o intuito. No pessoal ele deixava sempre uma impressão no outro, mesmo sendo um sujeito simples, deixava um ensinamento para qualquer um, além do bom humor em até mesmo ao analisar as misérias da vida, da sua vida e do tempo…

Arado sempre tinha algum mantra ou frase aleatória para cumprimentar a todos que iam em sua residência, localizada na Vila Gadelha, zona rural de Iguatu-CE. Geralmente quando alguém chegava lá ele dava a seguinte saudação: “Oh…. coronel… Como é que tá meu amigo!”, ou “Tudo bom meu amigo!” ou ainda “O quê que veio ver?”; essa última era destinada a alguém que ele estivesse com raiva, não gostasse tanto, ou ainda não considerasse a pessoa como alguém que gostasse de trabalhar ou de “progresso”; aliás, progresso era uma palavra muito usada por ele. Mas geralmente quem ia lá em sua residência tinha sua estima e ele soltava a seguinte saudação: “Oh…. comandante! Coronel das forças armadas! Como tá autoridade!”.

Muitas das vezes que fui em sua residência, e de forma proposital, puxei assunto falando de alguém que sabia que Arado não considerava um indivíduo de “progresso”; aí ele saia com essa: “Aquilo é um sem futuro… um palerma, um malandra, um tropo, nem cava e nem tira terra!”; também dizia: “Aquilo é um cu tampado! Eu em cima de uma pedra faço mais do que ele dentro d’água!”. Como já disse, ele usava muito a palavra progresso. Às vezes falava: “Fulano não tem progresso de nada, sem futuro!”, como ele era obstinado pelo trabalho se sentia incomodado com quem não o era. Às vezes dizia “Aquilo é da descendência de Matuzala, de Caim, um azalado do cão! Um gabiru do rabo branco!”. Em muitas situações ele deixava aflorar esses descontentamentos que possuía e criticava comicamente muitos parentes e conhecidos da família…Também para gente que possuía procedência não muito boa em negócios ele dizia: “Aquilo é um rato! Nunca fez nada na vida! Nunca botou uma roça e nunca tirou uma safra!”. Ele observava as minhas reações e aumentava “os elogios” propositalmente em suas análises em relação as figuras, que eu puxava assunto, pois via que eu estava rindo e gostando da “zoeira”. Em determinado momento ele parava e ria com o canto da boca, um sorriso muito meigo, era uma comédia esses momentos. Ele fazia questão de fazer essas observações críticas para me fazer rir. Nem eu escapei de suas análises críticas e cômicas: “Aquele filho de Nilda não serve nem pra vender pão de tarde!”, uma vez que sempre madruguei em leituras, filmes e escritas e ele sabia que às vezes eu acordava tarde… Um tio me contou dessa análise que ele fez em relação a mim… Ri muito quando soube… e meu tio mais ainda…

Com outros ele foi bem mais pesado… Ouvi ele dizer certa vez em relação a uma pessoa que casou com alguém de nossa família: “Aquilo é um cu de galinha, não serve pra nada, um morto sem futuro…” Todas essas análises que ele fazia dos parentes e conhecidos servia e ainda serve de conteúdo para um tio fazer paródia imitando-o e fazendo comédia, fato que diverte a todos que ouvem. Eu mesmo às vezes faço essas imitações dele fazendo suas análises em relação aos outros… Uma figura meu avô… e ele mesmo sabia que nos divertia com essas suas observações capciosas dos amigos e familiares… Eu quando ia lá visitá-lo dava corda mesmo… ríamos muito…

Uma vez lá em sua casa eu reclamei de umas situações da vida e ele soltou: “No tem importância não menino besta! Isso vale nada!”. Em outra, um tio em confusão com um desafeto foi ferido de faca. Demoramos alguns dias para dizer e ele não souber por outros meios do fato, pois como ele era um homem da roça, não gostava de tecnologia e o fato foi em outro estado, pela estação de rádio da região ele não soube, já que o rádio era a única tecnologia que ele apreciava. Dias depois, quando esse meu tio já estava recuperado, nós falamos do ocorrido e soltou essa: “Foi um canivete, se fosse uma faca no tinha escapado não, um cortin… vale nada não…”; emendou dizendo que meu tio depois ia resolver a questão com o desafeto com toda certeza…

Arado também tinha algumas filosofias. Ele falava algumas coisas e ao mesmo tempo que podia fazer sentido,  também soava às vezes como engraçado e com um certo tom de uma cultura patriarcal, a qual ele era oriundo, mas com certeza sem nenhum pensamento preconceituoso, uma vez que ele nem entendia de ideologia nenhuma, sua ideologia era o trabalho itinerante… Do nada quando faltava assunto ele saia com essa: “Menino, mulher e cachorro é tudo igual!”, ou ainda: “ Com vinte não criou barba, com trinta não casou, com quarenta não serve pra nada! Não tem progresso nenhum…”.  Ele também gostava de dizer “Tem gente que fazer o mal é pecado e fazer o bem é perdido”, outra, era icônica: “Guarda o que não precisa que terás o que precisa”. Além da lembrança desses momentos, o que tenho dele é uma grande saudade… Aliás… uma saudade constante e que só aumenta a cada dia…

Por Américo Neto.

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