Ceará
Pandemia prejudica desempenho de estudantes sem acesso à internet
A estudante Ana Bárbara Mendes, 17, aprendeu da forma mais difícil sobre a importância e a necessidade do acesso à internet para obter uma boa educação. A cearense cursa o 3º ano do ensino médio na Escola Estadual de Educação Profissional Lysia Pimentel, em Sobral, e precisou contar com a ajuda de professores e da diretoria para seguir nos estudos à distância durante a pandemia.
“Houve um período em que eu não tinha celular pra enviar as atividades. Devido às dificuldades econômicas em casa, na pandemia, tive que vender o celular pra ajudar. Passei a usar o aparelho do meu namorado”, conta a estudante.
Hoje, Bárbara já conseguiu comprar outro celular – mas a internet utilizada não é própria. “Ainda estamos num processo financeiro complicado aqui em casa, não temos internet. Mas tive muito apoio da minha diretora de turma. Disse a ela que ia ter momentos que eu não conseguiria enviar as atividades nem assistir às aulas, porque a conexão tava muito ruim. Às vezes, a vizinha não pagava, e eu perdia aula. Mas tive que me virar, e recebi todos os materiais necessários”, relata a pré-universitária.
O prejuízo foi parcialmente contornado pelo suporte de parceiros antigos. “Me senti prejudicada, mas graças a Deus tenho acesso aos livros, que são ótimas plataformas, mas não são tão utilizadas hoje em dia. A internet é mais para tirar dúvidas e, agora, acessar as aulas”, pontua a estudante, que divide a rotina entre os cuidados com o irmão pequeno e o sonho de ser psicóloga.
A influência da conexão para o desempenho de estudantes, principalmente do ensino médio, já existia, sendo apenas evidenciada com o fechamento das escolas. Por meio de dados do Enem 2019, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) identificaram correlação entre o acesso e os resultados: quanto mais alunos conectados, maiores as médias dos municípios cearenses na prova.
O estudo “Primeiras Análises – o Enem 2019 sob contexto cearense”, elaborado pelo Laboratório de Análise de Dados e Economia da Educação (EducLAB), mostrou que dos 79.204 estudantes pré-universitários da rede pública que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio 2019, 35.978 disseram não possuir acesso à internet – 45,4% do total.
A pesquisa apontou ainda que em 81 dos 184 municípios do Ceará, a porcentagem de candidatos com conexão era inferior a 50%. As médias obtidas pelos estudantes que fizeram Enem nessas localidades variaram de 408 a 498 pontos – inferiores à maioria das notas de corte para ingresso em universidades públicas estaduais ou federais.
Os municípios de Altaneira, no sul do Ceará, e Guaramiranga, a cerca de 100 km de Fortaleza, aparecem com porcentagens zeradas. Nas duas, 96 alunos do 3º ano do ensino médio da rede pública realizaram o exame em 2019, e nenhum declarou ter acesso à rede.
Os microdados utilizados no estudo da UFC são oficiais, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Na capital cearense, 11.671 (63,2%) dos 18.462 candidatos dentro do recorte do estudo afirmaram ter acesso à internet quando fizeram o Enem. A média obtida pelos fortalezenses no exame foi de 499 pontos. A maior nota entre os municípios cearenses foi registrada por Pereiro, que faz divisa com o Rio Grande do Norte, onde os alunos obtiveram média de 520,55 pontos nas cinco provas. Lá, 87% dos 241 pré-universitários que prestaram o Enem declararam estar conectados.
Se considerados os 56 municípios do Ceará com escolas privadas que tiveram alunos de 3º ano no Enem 2019, cerca de 95% dos candidatos tinham acesso à internet. Em 17 cidades, 100% dos alunos tinham acesso.
Falta de equidade
Alesandra Benevides, professora do Curso de Ciências Econômicas da UFC, coordenadora do EducLAB e do estudo, pontua que “não existe uma relação de causalidade entre acesso à internet e desempenho”, mas há uma forte correlação entre ambos.
“O 3º ano é o fechamento, é o ano decisivo, você precisa ter o conhecimento na palma da mão para decidir se ingressa direto no mercado ou na faculdade. Mas muitos municípios não dão essa condição de acesso, e a pandemia está cobrando o preço.”
Gabrielle Holanda, 17, estudante do 3º ano médio do Liceu do Conjunto Ceará, em Fortaleza, se define como “privilegiada” por ter acesso à rede, mesmo que instável. “São raras as vezes que dá problema, e quando dá, não assisto às aulas e perco o conteúdo. Mas tenho colegas que não têm internet em casa nem celular pra acessar. Estudar sem internet, nos dias de hoje, é quase que impossível”, opina.
A pesquisadora da UFC observa que há uma evolução no número de alunos conectados nos municípios, mas alerta que o processo ocorre de forma mais lenta entre discentes da rede pública. É também entre eles que a correlação acesso-desempenho perde força.
“Porque só o acesso não basta. A internet tem tudo: informação e desinformação. É preciso haver orientação, monitoria, para que esse conteúdo seja bem filtrado e reflitam em desempenho. Os municípios e o Estado devem atentar a isso”, frisa.
Para Alesandra, a equidade educacional entre as redes pública e privada ainda está distante de ser conquistada. Conforme o estudo do EducLAB, a diferença de desempenho no Enem entre os 10% dos alunos mais pobres e os 10% mais ricos tem diminuído, mas permanece determinante na definição de quem entra ou não na universidade. Em 2013, 122,50 pontos separavam os dois grupos; em 2019, a diferença caiu para 111,98 pontos – número ainda alto e que pode voltar a crescer.
“Não há dúvidas de que essa diferença pode se alargar no pós-pandemia. É por isso que a política de cotas é tão necessária, porque exige notas de corte um pouco mais baixas para a rede pública. A falta ou acesso precário à internet atinge principalmente os mais vulneráveis, e isso vai ter reflexo não só no desempenho de 2020: o conhecimento é cumulativo,vai levar algum tempo para revertermos essas distorções”, lamenta a pesquisadora.
As tentativas da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) de chegar aos estudantes, por meio de distribuição de chips de dados móveis e outras ações emergenciais, são válidas, frisa a pesquisadora, mas é difícil garantir que cheguem a todos. Uma alternativa à internet, então, sobretudo em lugares mais remotos, seria uma volta aos “velhos” tempos: o rádio. “É uma tecnologia antiga e mais simples, que todo mundo tem. Pega os mais vulneráveis, consegue transmitir o conteúdo, embora precise haver uma organização e um suporte. É uma boa”, indica a pesquisadora.
Em nota ao G1, a Seduc afirma que “lançou as diretrizes para organizar o trabalho escolar nesse segundo semestre”, e aponta “o livro didático como principal ferramenta para as aulas remotas”. Em cada escola, conforme a Pasta, “as aulas chegam aos estudantes por meio de tecnologias, material impresso, rádio ou TV”. Além disso, a secretaria garante que oferece teleaulas voltadas a todos os níveis, em emissoras públicas locais.
Dados sobre frequência e aprendizagem dos alunos nesse contexto serão atualizados ainda neste mês. Na preparação para o Enem, finaliza a Pasta, “haverá ainda aulas em vídeo, materiais estruturados, concurso de redação, aulões, dicas de redação e palestras motivacionais”.
Desempenho “por quartos”
Outro dado mostrado pela pesquisa aponta a influência do número de quartos em uma residência na nota que o estudante consegue obter no Enem. De acordo com os dados do exame de 2019, o desempenho médio do cearense que reside em um domicílio com até um quarto por pessoa é de 529,80 pontos. Quando ele passa a dividir o quarto com mais uma pessoa, a média cai para 483,14 pontos – 46,6 a menos de quem tem cômodo individual.
A partir disso, aponta o estudo, “as diferenças são mais tênues e não há uma redução da nota com maior adensamento de forma linear”. Em um domicílio com cinco pessoas por quarto, por exemplo, o desempenho médio do estudante foi de 465,22 pontos.
“O número de quartos parece uma medida estranha, mas é importante: se você tem um lugar de estudo reservado, silencioso, influencia no estudo. O aluno que tem um quarto per capita consegue notas melhores, há uma relação positiva”, destaca Alesandra Benevides, coordenadora do EducLAB.
Fonte: G1 CE
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