Dia-a-Dia com Maria

Dia-a-Dia com Maria: Redação do Enem e os mais de 500 mil zeros

Os resultados do ENEM-2014 deixaram a marca preocupante de mais de 500 mil zeros na redação, fato que ensejou uma análise dos pontos que podem ter sido decisivos nesse aspecto. 

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Os resultados do ENEM-2014 deixaram a marca preocupante de mais de 500 mil zeros na redação, fato que ensejou uma análise dos pontos que podem ter sido decisivos nesse aspecto. 

Inicialmente, sujeitaria como uma das prováveis causas, o próprio tema: “PUBLICIDADE INFANTIL EM QUESTÃO NO BRASIL” que, embora num olhar de relance possa parecer fácil, enseja efeito franco de indução a evasões, tanto por ser de considerável amplitude quanto por não constituir tema de habitual debate em salas de aulas, conforme é de praxe com os assuntos aos quais se supõe de possíveis abordagens, como clima, destruição do meio ambiente, eleições, reforma política, dentre outros

Muitos dos estudantes com os quais conversei, após a prova, afirmaram-se perdidos diante das várias possibilidades, e com isso, cada um se direcionou para um campo específico da publicidade na elaboração dissertativa. Uns, apostaram no consumismo fomentado pela mídia, outros, optaram pela “adultização” propagada nos comerciais e programas de TV, alguns, para a violência acessível às crianças em todos os meios midiáticos (jogos eletrônicos etc.), comprovando que a temática gerou uma universalidade de possibilidades aos estudantes que participaram do Exame. 

Quanto à minha consideração da possibilidade de fuga ao tema, encontrei opiniões similares nas quais fica positivada que a abrangência temática possa ter mesmo sido o fio condutor daqueles que tangenciaram o assunto e adentraram em searas distintas do plano temático indicado. 

Acrescente-se a esses argumentos, o próprio desconhecimento do assunto (o que por si já configura um fosso diante do redator de uma prova que suga o candidato pela extensão das questões).

Não se pode olvidar do pouco contato com o conteúdo abordado na redação, tanto é que milhares de candidatos sequer conseguiram completar sete linhas textuais. 

Na condição de professora e de ser fascinada pelo mágico mundo da leitura e da escrita, contemplo com olhos de desânimo a avalanche de mensagens rápidas, leituras fugazes e escritas sem o menor capricho, bastante utilizadas atualmente no  Whatsapp, facebook e irmanados.

Até que ponto esses mecanismos dinamizadores da comunicação não têm subtraído dos nossos alunos o tempo para leituras compenetradas, sisudas, mais rigorosa, digamos assim?! 

Não raro nos deparamos na net com postagens tão frágeis em termos de elaboração, sem limites para a permissão de erros ortográficos, abreviadas, que até nos sugerem serem meras brincadeiras, uma espécie de sapateado sobre o bom uso da língua.

Há pouco mais de quatro anos, ao realizar uma pesquisa sobre leitura em duas escolas de ensino médio, sendo uma da rede pública e a outra da rede privada, constatei que nos resultados exitosos em notas, existia um aluno que podia ser classificado como médio ou excelente leitor. 

A conclusão desse trabalho não podia ser diferente da lógica inconteste de que esse desempenho melhorado e verificado nos melhores leitores não estaria apenas vinculado à língua ou ao campo literário, mas em todas as disciplinas, até mesmo nas de cálculo, ou seja, o hábito da leitura ficou comprovado ser capaz de levar à melhor compreensão do que se ler e, assim, robustecer o entendimento do aluno no próprio enunciado das questões em qualquer situação.

Retornando ao ENEM, de acordo com o Inep, as redações com nota zero deixaram de atender ou infringiram os critérios de correção estabelecidos no edital. Dentre os que zeraram a redação, 217.339 fugiram ao tema; 13.039 copiaram textos motivadores da prova; 7.824 escreveram menos de sete linhas; 4.444 não atenderam ao tipo textual solicitado; 3.362 zeraram por parte desconectada e 955 por ferirem os direitos humanos. 

Defendo sem receios que o ânimo à leitura, o incentivo à escrita e o combate ao uso exagerado de textos curtos e mal escritos, pode ser um bom começo para melhor instruir nossos alunos, de maneira que não se deve abrir mão da prática dos textos manuscritos em detrimento da voraz utilização das formas aclamadas pela ampla tecnologia (facebook, Whatsapp). 

Finalmente, acredito que nenhum bom leitor tenha zerado a redação do ENEM e, como amostra do que ora sustento, um dos meus alunos (escola pública), excelente leitor por sinal, obteve 820 pontos, e que seja qual for o tema, nossos estudantes sejam potencializados a desenvolver textos e não sejam obstados ao ingresso nas universidades.

 

*Mariazinha é Servidora do IFCE Campus Iguatu e Advogada

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