AssuntosNet

Dia-a-Dia com Maria: Centenário da Grande Seca

PRIMEIROS TEMORES

Ouvi, não raras vezes, meu pai falar de sua preocupação com a demora das chuvas, o que era natural no seu contexto de vida de nordestino, roceiro pobre e que como os demais de sua comunidade, plantador de esperanças

Published

on

PRIMEIROS TEMORES

Ouvi, não raras vezes, meu pai falar de sua preocupação com a demora das chuvas, o que era natural no seu contexto de vida de nordestino, roceiro pobre e que como os demais de sua comunidade, plantador de esperanças

: aquele produtor que lança a semente na terra borrifada e espera a chuva cair de um céu duvidoso e imprevisto. Assim, cada vez que eu ouvia esse tipo de reclame, sentia palpitações e medo sem exatamente saber definir tal receio. 

RETRATO DA SECA NA LITERATURA

No andar da carruagem do tempo e afeita à leitura, um dos primeiros autores com que me encantei foi Graciliano Ramos, sobretudo quando li com enorme espanto as páginas da via crucis das personagens de Vidas Secas, obra escrita entre 1937 e 1938, ano da publicação do romance, que narra a história de uma família de retirantes do sertão brasileiro e aborda seus problemas: seca, pobreza e “Tinham deixado os caminhos cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés”.

Depois, veio-me às mãos, olhos e alma a preciosidade de Rachel de Queiroz, O Quinze, narrando uma das grandes secas que assolaram o Brasil, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste, 1915, de quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema, de situação tão desesperadora, que famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para outros estados, promovendo uma onda de imigrações. 

Devido à miséria extrema das pessoas que chegavam às grandes cidades, aterrorizavam os moradores locais que temiam saques no comércio e armazéns. 

Além disso, essas cidades para as quais as vítimas da seca se dirigiam começaram a ficar cada vez mais apinhadas de flagelados. Fortaleza, por exemplo, converteu-se na “capital do desespero”. 

Publicado em 1930, o romance O Quinze (romance regionalista de temática social), de Rachel de Queiroz, renovou a ficção regionalista. Possui cenas e episódios característicos da região, com a procissão de pedir chuva, traços descritivos da condição do retirante, a saga da família de Chico Bento para marcar o romance com as cores negras da desgraça, conforme o trecho que segue:  

Levantou-se, bebeu um gole na cabaça. A água fria, batendo no estômago limpo, deu-lhe uma pancada dolorosa. E novamente estendido de ilharga, inutilmente procurou dormir.

A rede de Cordulina tentava um balanço para enganar o menino – pobrezinho!

O peito estava seco como uma sola velha! – gemia, estalando mais, nos rasgões.

CENTENÁRIO DA VIA CRUCIS E O PORVIR 

Há um centenário completo da grande seca de 1915, estamos, nós brasileiros, enfrentando uma temporada de escassez de água que aterroriza o país inteiro, de Sudeste a Sertão do Nordeste. Se por um lado comemoramos os vultos da nossa literatura que se inspiraram nas dores dos retirantes caveirados, por outro, preocupamo-nos com escassez de água, com a diminuição do volume das nossas reservas e a previsão das unidades de meteorologia de tempos difíceis (de seca) que estão por vir. 

Eis o brado de antigos temores entoando uma canção de tristezas que das páginas da literatura de eras que não são da nossa realidade, à possibilidade de  repetirmos com outros matizes sofrimentos para o qual não estamos, certamente, preparados para enfrentar. 

 

Fontes acessórias

http://www.mensagenscomamor.com/seriados-filmese-novelas/frases_de_vidas_secas.htm#ixzz3iA5tJ3Ff 

http://www.mensagenscomamor.com/seriados-filmes-e-novelas/frases_de_vidas_secas.htm

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/o_quinze

 

*Mariazinha é Servidora do IFCE Campus Iguatu e Advogada

 

EM ALTA

Sair da versão mobile