Dia-a-Dia com Maria

Dia-a-dia com Maria: Enrolada na macumba

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Por: Maria Lopes

Já era costume receber bilhetes da macumbeira, todos lhe causavam o mesmo tremor de pernas e calafrios, sempre cobrando, ameaçando com entidades de pura derrubação, de modo que o que era ruim podia ficar ainda pior mas, Bibi, era um ser dominado por uma ideia de se casar e queria o troféu. Tanta luta, tanta aporrinhação, já suportara de tudo para consolidar aquele relacionamento que se esticava por quase seis anos.
E lá vinha mais um pontuado da “trambiqueira”:

– Bibi, você me disse que estava tudo na mesma, que o rapaz parecia diferente… distante… eu bem que lhe avisei que se o patoá não fosse feito no modo, não daria certo. Falei também que a franga tinha que ser da primeira postura e o sangue tinha que ser colhido numa tigela rasa com sete pingos de cachaça amarela. Pedi que mandasse vinte pacotes de vela rosa, doze brancas, trinta pretas, cinco velas verdes de sete dias e uma peça de seda azul de doze metros para fazer o estendal. Ah, depois eu lembrei que aplicaria o mel de arapuá, trazido numa garrafa de quatrocentos ml e as flores de lírio que cobririam o mel. Após o despacho, em apenas duas semanas sairia o pedido de casamento. Nada foi como pedi, vamos então repetir a ação e traga um boneco de pano que eu preciso para melar com merda de gato e jogar no cupim, o efeito é que ele será aborrecido por todas e vai acabar se dobrando.

Bibi somou tudo na ponta do lápis…Coisa demais para mais semana de novas tentativas! Seis anos de batalha e se fosse contar os gastos dos últimos quatro anos de mandinga daria para comprar passagem para a Faixa de Gaza e lá virar poeira de bomba. Seria por sinal um alívio desse amor-tormento. Seria isso amor, tanta teimosia? Persistiria, no entanto, quem sabe o desejo de desistência que a rondava vez por outra não seria a aproximação do feliz desfecho.

Arrumou dinheiro e mandou o material, dessa fez com o máximo cuidado para que tudo fosse à risca.
No mesmo porte da ida veio novo recado, agora, cobrando as custas milongais.
Já sucateada de pobreza que se avultava a cada demanda do catimbó, seguia a vida.
O pretenso, nem tchuiú… distante, sem dar notícias, evitando até encontrar-se na mesma rua com a apaixonada desminliguida.
Meses sem efeitos, foi à cartomante que disse à moça: “Vejo uma quebra e um casamento”, “tem casamento, sim!”. Bibi criou alma nova, e tentou novamente. Dessa vez a coisa ia ser no alto da Pedra da Cruzeta para atrair energias pesadas: sangue de dois patos jogado no cume pela moça, no pingo do meio dia, clamor sério. Sangue no baldinho derramado, escorrendo nas unhas da pedra cinza, líquido que fez com que Bibi escorregasse e tivesse fratura séria na perna esquerda. Segundo a catimbozeira, era um “sinal ótimo”, perna esquerda quebrada era a confirmação de que o coração do rapaz estaria sendo finalmente domado para o casório. Lembrou-se do que confirmaram as cartas do baralho.

Bibi cheia de dor e fé, seguiu para o socorro médico para se recuperar do acidente (de amor). Meses para voltar à vida normal, tempo suficiente para saber por amigos do casamento de Fábio, o alvo da franga, das luzes de velas, do sangue dos patos, gotas de mel, flores e vida ao avesso, estaria casado com outra e ia ser papai.

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