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Dia-a-Dia com Maria: O brilho de Mujica

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Por Maria Lopes*

Desenvolvimento, produção e consumo, três palavras que se interagem, locupletam-se, montando o tripé do capitalismo, sistema econômico verificado na maioria dos países ocidentais. O Brasil, nesse viés de competitividade de se manter no patamar das nações promissoras, segundo a classificação da globalização, vem tentando se amoldar a essa trilogia para não perder pontos, assim, não tem medido consequências para permanecer, segundo a maquiagem perigosa de se desenvolver num caos, que vai desde o sistema político até a leveza da forma como são punidos os crimes de corrupção.

Nas últimas duas semanas, uma figura que tem se tornado mito na América Latina, José Mujica, ex-presidente do Uruguai, esteve em algumas universidades brasileiras e causou o maior alvoroço pelas manifestações de verdadeira idolatria à sua pessoa, tendo em vista a forma como se porta, diferente de tudo o que se tem vivenciado nos moldes atuais e do próprio ditame da nossa organização econômica.

O frisson em torno de Mujica, a meu ver, representa, num sentido exato, a sede que as pessoas sentem por um mundo melhor, dirigido por quem mantém e respeita valores sociais e morais e é capaz, sobretudo, de gerenciar o patrimônio público com a devida lisura.

Numa atmosfera de decadência de seriedade entre políticos que tão pouco se respeitam e bem menos prezam pelo sacrifício dos cidadãos tributados, um Mujica incomoda pela forma como aborda a necessidade de mudança, de que se refaçam as teias de comando, os governos, as administrações públicas tão estilhadas pela pólvora da corrupção, da venalidade.

Quando indagado sobre o porquê de ser tão aceito, querido, quando no “mundo inteiro há uma crise de representatividade de figuras e partidos políticos”, ele apenas afirmou que “uma explicação simples é que a república apareceu no mundo para negar o direito divino da monarquia e o direito de sangue da nobreza. A república veio para dizer que, basicamente, todos os homens são iguais. E que, como tal, temos as mesmas possibilidades e os mesmos direitos. Porém, dentro da república, se repetem algumas ações que são de outra época. Então, a presidência tende a se assemelhar um pouquinho à monarquia: tem o tapete vermelho, tem uma corte, tem um mecanismo que a cerca. E isso é um incentivo para o presidente e a alta hierarquia do Estado viverem – sem se dar conta – de forma diferente de como vive a maioria daqueles que eles lideram.

Desta forma, cria-se uma distância. Começam a viver como a minoria, como a minoria privilegiada. E essa distância, no modo de viver, nos costumes e das relações, o povo as nota, o povo as percebe quase que subjetivamente. Começa o descrédito e o “não acreditar” [nas instituições políticas]. Isso é muito perigoso, porque o homem é um animal utópico. No DNA do homem, está inscrita a necessidade de acreditar em algo. E prosseguiu: – Por que lhes digo isso? Em todas as cidades, em todas as épocas, em algum momento, os homens inventaram alguma religião para crer – e não há utopia maior que a religião. Isso você vai encontrar em todos as partes do mundo e em todas as épocas.

(…)

Creio que privilegiamos demais a ideia de que a troca material determina a mudança do homem e não temos dado o papel devido à cultura e aos costumes nessa batalha. Até podemos ter um pensamento socialista ou socializante, porém, seguimos tendo uma cultura de conduta capitalista, da qual não damos conta. Nesse terreno, a disputa não está estabelecida, então nos movemos em uma sociedade de mercado e aqueles que estão contra isso, estão contra apenas do ponto de vista conceitual, pois suas vidas estão [nesse sistema] como se fosse em uma teia de aranha. Se você tem filhos, mas seus filhos veem que seus amigos ganharam brinquedos novos, isso vai te pressionar. Sobre o fato de o considerarem um “Presidente pobre” ele destacou que não era, e sim, apenas “sóbrio” na forma de vida, pois pobre “é quem precisa de muito. Esse é pobre. Levo minha vida como na definição de Sêneca.”

Quando indagado sobre o culto a sua imagem, ele respondeu que hoje, na sociedade, tudo tendia a ser midiático, pelo menos o que era diferente, de forma que isso chegou a se difundir porque seu comportamento era distinto em relação ao que fazem os outros, então, isso chamava a atenção, no entanto, considerou que isso podia ser muito perigoso, se alguém passasse a levar a sério e acreditar que poderia tirar vantagem disso. Na realidade, isso refletia um problema que estava ocorrendo no mundo em que quando se encontra um tipo raro que se torna presidente, mas vive como vive a parte maior de seu povo. Isso chama a atenção e se torna uma doença. O que deveria chamar a atenção é como vivem os outros, porque isso não é republicano, isso é de sociedade aristocrática.

*Mariazinha é advogada e escritora

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