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AMERICANDO: A tragédia é a forma mais recorrente de contarmos histórias

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“Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.”
(Augusto dos Anjos).

Cheguei em Iguatu no final de 1990. Creio que em dezembro daquele ano. Era uma época muito difícil, muita inflação, crises políticas, sociais, além das costumeiras crises na educação. Eu era bem jovem, uma criança de seis anos, precisamente, mas sempre tive uma vontade de observar as coisas, de ser curioso, porém eu era jovem demais para entender essas coisas, no entanto certamente sentisse, lógico…

Lembro-me que uma vizinha, acho que de nome Selma, a qual poucas vezes a vi, foi hospitalizada e morreu. Vi seu marido recolhendo as coisas de um quartinho em que morava com ela. Colocou as poucas coisas que tinham em uma carroça e foi embora…

Outra vez fui com minha cuidadora fomos a um velório na conhecida rua de nome popular “Beco das Sete Facadas”. Lá em uma casa havia grande aglomeração. Era um velório e parecia, não me lembro com precisão, que a minha cuidadora conhecia o principal personagem do velório, a saber: o defunto. Antes de adentrar a casa, pude ver um Escort ®, carro bem popular à época, totalmente amassado, indicativo de um grave acidente de trânsito. Entramos na casa. O caixão estava na sala. Acho que era um caixão preto e grande. Pude olhar o defunto. Seu rosto estava roxo, inchado, sobretudo o nariz. A cabeça estava alongada, algo bem desproporcional, como a formação das cabeças dos Pré-Incas, enrolada em gazes brancos. Aquela cena até hoje guardo em minha memória existencial…

Um vizinho dono de um comércio na rua onde morei, após ser roubado por um ladrão da época bem conhecido, o executou com dois tiros. Eu estava no quintal de casa a brincar. Ouvi os tiros e barulhos, gritos e sirene. Fui até a rua, vi grande agitação na esquina. Fui até lá, muita gente. Um corpo ao chão coberto por papelão.

Somos essencialmente Baco, não Apolo. Há quem se beneficiou historicamente por um tiro, suicídio ou facada, mas a essência disso é gostarmos do trágico. “Gostamos” de dilúvios, catástrofes e execuções. É inconsciente, mas há grandes indicativos disto, que Freud o diga.

Por Américo Neto
Taguatinga-DF, 11/07/23
Contato: zemaericoneto@hotmail.com

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