Regional
Pesquisa possibilita ampliar produção de mudas de mandioca entre agricultores cearenses
Em meio à pandemia de Covid-19 e a chuvas irregulares, uma pesquisa inovadora realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas, na Bahia, traz esperança para o setor produtivo de mandioca, por possibilitar a ampliação da oferta de maniva (haste de cerca de 15 cm oriunda do caule), que é usada como muda. A pesquisa abre possibilidade para a ampliação do plantio de mandioca no Ceará, que é uma cultura utilizada para a produção de farinha, goma de mandioca, alimentação do gado e até fabricação de cerveja, com experimento recente no Estado.
A técnica de multiplicação de mudas de mandioca a partir de gemas foliares — formações iniciais de um ramo da planta — é a inovação desenvolvida pela unidade da Embrapa. A falta de maniva para reproduzir a planta é a principal dificuldade encontrada por produtores e criadores de gado leiteiro.
“O estudo favorece os produtores para enfrentar um dos mais antigos e comuns problemas relacionados ao cultivo da mandioca, que é a escassez de manivas”, destaca o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Éder Oliveira.
A pesquisa aponta que a substituição do caule por galhos e folhas na produção de mudas pode aumentar em até dez vezes a produção, em comparação com os sistemas tradicionais de cultivo feito a partir da obtenção da maniva.
Éder Oliveira esclarece que dependendo da variedade, uma planta que está com cerca de três meses de idade, possui de 30 a 40 gemas foliares aptas a serem utilizadas no processo de multiplicação com base na nova técnica.
Condições de manejo
Outra observação feita pelo pesquisador é que em condições de manejo otimizadas, em termos nutricionais e de fornecimento de água suplementar, em períodos de estiagem, seria possível obter quatro ciclos de coleta de gemas foliares por ano.
Éder Oliveira faz uma comparação para mostrar a vantagem da nova técnica de reprodução da mandioca: “Resulta em cerca de 120 a 160 gemas foliares por ano e considerando 80% de germinação, seria possível obter entre 96 e 128 mudas para plantio. Já no método de propagação convencional (manivas maduras), a taxa de multiplicação é de um para dez no máximo. Então a técnica de multiplicação por gemas foliares produz de dez a vinte vezes mais mudas”.
O pesquisar reforça que “cada folha tem uma gema imatura com potencial para gerar uma nova planta e cada haste tem entre 30 e 40 gemas. Como podem acontecer quatro ciclos por ano, uma única haste pode produzir cerca de 160 mudas”.
A unidade da Embrapa Mandioca e Fruticultura disse que ainda não há pedido de outros estados ou mesmo de prefeituras e associações de produtores para demonstrar o experimento, mas que a instituição está aberta à formação de parcerias com instituições públicas e privadas.
Pesquisa
A pesquisa contou com a participação da bióloga Reizaluamar de Jesus Neves, bolsista da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Ela explicou que o sucesso da técnica decorre da mistura de substratos no tubete onde as mudas foram colocadas, cuja porcentagem ideal foi obtida depois de diversos testes.
“A parte de cima do tubete era só suporte com areia lavada e vermiculita, um substrato mais leve, para ela emitir raiz. À medida em que essa raiz ia se desenvolvendo, ela começava a atingir a parte de baixo do tubete, onde colocamos um substrato mais nutritivo, com terra vegetal e adubo”, esclareceu Reizaluamar de Jesus Neves.
De acordo com os pesquisadores, o experimento foi realizado em casa de vegetação, com equipamentos e materiais simples que agricultores com relativa sofisticação conseguem utilizar. “A ideia era simplificar ao máximo para que a maioria dos produtores pudesse ter acesso à tecnologia”, pontuou Éder Oliveira.
A possibilidade de se obter vários ciclos anuais da cultura é outra vantagem que a pesquisa aponta, associada ao baixo custo de produção, com o uso de insumos, adoção de infraestrutura simples e a multiplicação de novos clones de forma precoce.
O plantio comercial da mandioca enfrenta o problema da multiplicação lenta da cultura. Por isso, há uma baixa adoção, por parte dos produtores de variedades melhoradas pela pesquisa, além de questões fitossanitárias do material de plantio, que é frequentemente atacado por doenças que afetam a produtividade da lavoura.
Expectativas
De acordo com pesquisa agropecuária do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará, em 2020, cultivou 58.600 hectares de mandioca, e colheu uma safra de 641.211 toneladas da raiz. Em 2019, o plantio foi maior e chegou a 61.653 hectares e uma safra de 642.188 toneladas.
No Ceará, a pesquisa Embrapa obteve repercussão positiva. O gerente do escritório da Ematerce, em Cedro, na região Centro-Sul cearense, José André de Souza, confirmou que “há dificuldade para se obter a maniva (muda) para ampliar a produção de mandioca no sertão cearense”.
O programa do governo do Estado Hora de Plantar, que faz distribuição de sementes e mudas a cada ano no Ceará, não atende a demanda por falta de oferta de maniva.
“Os cinco anos de seca entre 2012 e 2016 afetou o plantio de mandioca no Ceará e precisa ser retomado. Essa técnica, sem dúvida, traz muitas vantagens e terá um impacto positivo se for adotada pelos produtores”, afirma André de Souza.
O município de Salitre, no Cariri Oeste, assim como Pacajus, é um dos maiores produtores de mandioca em solo cearense. A titular da secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), Luzinete Andrade, frisou que vai buscar parceria com a Embrapa para demonstração da nova técnica aos produtores locais. “É uma nova técnica que traz vantagem e que deve ser ampliada e replicada”.
Otimismo
O engenheiro-agrônomo e empresário Manoel Oliveira ressaltou que “a técnica superou as expectativas” e que já faz o cultivo de 90% da área a partir da produção por gemas foliares. “É uma técnica muito simples de implementar e com taxa de multiplicação muito boa, que eu indico fortemente”.
O agrônomo, empresário e consultor de agronegócio, Henrique Araújo Lima, enfatizou que “todo criador de gado enfrenta a falta de maniva” e que a maioria dos produtores de mandioca “cultiva áreas reduzidas de apenas um e dois hectares”.
Para Henrique Araújo, um dos problemas para a escassez de maniva decorre do costume de que “os produtores não guardam a maniva. Após a colheita, retiram a raiz (mandioca) para o cultivo no ciclo seguinte”.
“Mandioca não é só farinha e goma, mas uma fonte rica em proteína e energia para o gado, que substitui o milho e é mais vantajoso que a palma forrageira”, pontuou Henrique Araújo.
Araújo lamentou que os agricultores “deixam na roça as folhas e caules se perderem sobre a terra, mas que são ricas em proteínas para a alimentação do gado”. O consultor defende o método do plantio adensado, isto é, em vez de dez mil covas por hectare, 40 a 50 mil, que resultaria em uma colheita aproximada de 300 toneladas de raiz na área cultivada.
Fonte: Diário do Nordeste