O CAOS NA SAÚDE PÚBLICA DE IGUATU – Uma antiga história de descaso e brigas políticas

A Saúde em Iguatu está um  caos e a beira do colapso. Incomodado com esse quadro que já tem décadas sem solução, o advogado iguatuense Romualdo Lima, entrou, dia 27 de janeiro, com ação no Ministério Público local.

Na sua reclamação, Romualdo destaca que os profissionais contratados pela COAPH (Cooperativa de Atendimento Pré-Hospitalar) e COOPAIS  (Cooperativa de Trabalho e Assistência Integral à Saúde) não recebem salários desde novembro de 2022. A situação se agrava pois já caminha para o quarto mês seguido de atraso sem nenhuma perspectiva de vislumbrar uma solução para o problema que já se tornou de caráter humanitário e que envolve técnicos em enfermagem, enfermeiros, médicos e demais servidores de apoio cooperados e lotados no Hospital Regional de Iguatu (HRI).

 

O advogado Romualdo Lima fala da situação do Hospital Regional de Iguatu

Na denúncia feita ao MP, o advogado Romualdo Lima, ainda relata a falta de medicamentos e  insumos básicos para realizar procedimentos simples, os quais costumeiramente têm seus custos arcados pela já carente população local que tem que comprar até luvas para que seus entes sejam atendidos. A equipe faz o que pode. Podemos dizer que em determinadas situações o HRI se transforma em um hospital de guerra dos tempos do Brasil colônia onde pode ser chegar a triste situação de ter que escolher quem vive ou morre.

A situação se torna ainda mais grave quando ele relata a falta de servidores e não ter um diretor para o hospital. “O HRI está acéfalo”, diz Romualdo. Também não existem pediatras, cirurgiões, traumatologistas (há muitos acidentes com motociclistas) e recentemente obstetras. Tal fato protagonizou um parto feito pelas técnicas de enfermagem que trouxeram ao mundo um bebê de quase quatro quilos. 

Vídeo do médico obstetra, dr. Ricardson, viralizou nas redes sociais

 

Os plantões estão limitados ao atendimento de clínicos gerais e que ainda precisam se virar, pois sempre faltam insumos e material de trabalho.

Servidores relatam momentos difíceis no HRI

Relatos de pessoas que chegam chorando por não terem nada pra comer são comuns

Servidores relatam que faltam insumos e que foram enganados

Na sua denúncia, o advogado Romualdo Lima , ainda alerta para a falta de um prefeito. Ednaldo Lavor e Franklin Bezerra, prefeito e vice reeleitos em 2020, foram cassados e esta é a segunda vez que o presidente da Câmara Municipal assume a gestão. O prefeito atual é o advogado Ronald Bezerra que foi eleito presidente da Câmara Municipal para o biênio 2023/2024 em substituição a Eliane Braz que estava ocupando interinamente a Prefeitura. Ronald é o terceiro prefeito de Iguatu em menos de três anos. Tudo isso, destaca Romualdo Lima, piora ainda mais a busca de solução para resolver os problemas relativos não apenas à saúde, mas também a quase total falta de infraestrutura da cidade. Como esta, existem várias denúncias que foram feitas e o problema não se resolve. 

O poder público e a base governista relacionam o problema a defasagem dos recursos em relação ao atual custeio de insumos e corpo de trabalho. É alegado ainda atrasos de repasses do Governo do Estado que atrapalharam a agenda de pagamento elaborada pela Prefeitura através da Secretaria da Saúde. Em outros momentos foi tentada uma articulação em busca de um pacto financeiro com os demais municípios da região, mas sem sucesso.  A pasta local, em últimos posicionamentos, chegou a informar que poder público municipal fazia investimentos na unidade acima do teto. 

A reportagem tentou contato com as cooperativas que atuam no sistema de saúde da cidade, mas até a publicação desta reportagem não houve posicionamento das instituições. As duas cooperativas possuem uma média de quase 300 colaboradores, juntas, atuando no município. 

 

Prefeito interino, Ronald Bezerra, fala sobre o que será feito para solucionar o problema

 

O PROBLEMA É ANTIGO E FRUTO DA FALTA DE FOCO E ARTICULAÇÃO POLÍTICA

Em 11 de dezembro de 2013, um grupo de 13 médicos, o diretor e o coordenador do Hospital Regional de Iguatu são alvos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado (MPE) por realizarem, há pelo menos 3 anos, cirurgias particulares no horário de plantão do Sistema Único de Saúde (SUS). Ação foi impetrada após denúncias e instauração de procedimento administrativo, quando foram constatadas as irregularidades no hospital.

Em dezembro de 2013, o prefeito Aderilo Alcântara assinou a ordem de serviço para reforma e ampliação do Centro Obstétrico do Hospital Regional de Iguatu. O objetivo era que o Hospital fosse referência no atendimento na região Centro-Sul do Estado. No mesmo mês, foram apresentados 21 médicos cubanos que foram contratados pelo Governo Federal, através do Programa Mais Médicos. Hoje falta obstetra.

Em novembro de 2016 a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, por meio do Grupo de Trabalho (GT) da Saúde, realizou a inspeção das unidades hospitalares da rede pública. Durante a vistoria, os defensores públicos receberam a informação de que, em recente inspeção da Vigilância Sanitária, o HRI não foi aprovado nos quesitos de esterilização, deixando uma enorme lacuna para infecções hospitalares graves. Além disso, os defensores constataram que o Hospital está precarizado ao extremo: os centros cirúrgicos têm equipamentos avariados, sem manutenção, possuem infiltrações no teto, portas quebradas e a presença de cupim e outros insetos. Na data da inspeção, não havia no Hospital material de limpeza como sabão, água sanitária, álcool em gel e nem papel para assepsia das mãos e das roupas.

Em setembro de 2019 o Hospital Regional teve a promessa de ganhar um plano de gestão e de liberação de recursos com a finalidade de readequar a rede de serviços para atender melhor a população. A ideia era fazer uma administração compartilhada com gestores da região. Essa parceria com o Governo do Estado vai fortalecer o sistema de saúde e garantir a prestação de um serviço com mais qualidade. Outra ação foi em relação a criação de um Conselho Administrativo para gerenciar a unidade, bem como a construção de leitos de UTI. Os leitos de UTI foram conseguidos, mas vieram por conta da pandemia de Covid-19. O restante, não.

Em novembro de 2019 o então prefeito da cidade de Iguatu, Ednaldo Lavor, anunciou o retorno da Sociedade Beneficente São Camilo para gerenciar o Hospital Regional de Iguatu (HRI). De acordo com o gestor, uma série de quatro reuniões foram definidas com os diretores da instituição filantrópica. Em 2013, o município de Iguatu e a Sociedade Beneficente celebraram um convênio por 20 anos, porém com um ano o acordo foi quebrado em meio à alegação da época de falta de repasses da Prefeitura para o ente filantrópico.

UM NOVO HOSPITAL REGIONAL PARA O CENTRO-SUL 

O governador do Ceará, Elmano de Freitas, PT, anunciou que o Ceará terá 4 hospitais regionais e um deles será na região Centro-Sul. Ainda levarão alguns anos até que isso venha a se concretizar. Acredita-se que não saia antes do fim do mandato do atual governador. Até lá, a população iguatuense clama por uma solução imediata para o grave problema de saúde pública que passa a população da cidade e a população de outras cidades que estão no entorno e são usuárias dos serviços do HRI.

 

Em entrevista a Mais FM o empresário Sá Vilarouca falou que a questão da saúde em Iguatu é resultado de briga política; de falta de liderança e articulação políticas

 

SUPERLOTAÇÃO  E ENDEMIAS CAUSADAS POR FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO

Um dos fatores que levam a superlotação do Hospital Geral, além de atender a vários municípios da região Centro Sul é a falta de saneamento básico. Em Iguatu, 86% da cidade vê esgoto correndo pela rua e não tem um sistema de drenagem para escoar águas pluviais e isso tudo junto  aumenta os atendimentos hospitalares. 

 

86% DA CIDADE NÃO TEM ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Uma cidade saneada melhora as condições de higiene e saúde pública, prevenindo doenças relacionadas à falta de acesso à água potável e esgoto adequado. Isso inclui a prevenção de doenças transmitidas por água, como diarréia, verminoses e doenças respiratórias, reduzindo assim a necessidade de atendimento hospitalar. Nada disso existe em Iguatu. O único loteamento saneado é o João Paulo II e o das Cajazeiras construídos ainda no século passado e até hoje a estrutura está de pé e funcionando.

No Residencial Dom Mauro a situação é ainda mais grave.
Falta tudo em se tratando de infraestrutura

 

PROBLEMAS COM A INFRAESTRUTURA

Iguatu enfrenta desafios na área da saúde, incluindo falta de infraestrutura adequada, falta de profissionais de saúde, acesso limitado a serviços de saúde de qualidade e falta de recursos financeiros. Além disso, a pandemia de COVID-19 aumentou a pressão sobre os sistemas de saúde em todo o país. Os políticos locais não se interessam em investir em saúde pois segundo pensam “a saúde é um saco sem fundo, onde o que se gasta não aparece eleitoralmente”. Apesar de estarem errados, Iguatu está abandonado por todas as suas lideranças políticas e a população é quem sofre, principalmente quando envolve as costumeiras brigas políticas entre os 3 grupos políticos locais.

O HRI enfrenta problemas de infraestrutura, incluindo falta de instalações adequadas, equipamentos e tecnologia obsoleta. Algumas reformas foram feitas, mas ainda insuficientes. Há muitas obras inacabadas nesse sentido dentro do próprio HRI. Junte-se a isso, a falta de planejamento estratégico que pode levar a más decisões em termos de alocação de recursos, contratação de profissionais e prestação de serviços.

Para piorar a situação ainda existe a falta de transparência e responsabilidade por parte dos gestores hospitalares que pode prejudicar a confiança da população e a qualidade dos cuidados de saúde prestados.

 

TRANSPARÊNCIA E RESPONSABILIDADE

A falta de transparência é tanta que não se sabe quem coordena a cooperativa que cuida de pagar os salários do pessoal que atende no Hospital Regional de Iguatu. Ninguém fala e a gestão limita-se a colocar a culpa no Governo do Ceará que se defende provando que manda a verba, mas que não se sabe por que ela não é usada para pagamento de salários que estão há meses em atraso.

Célia Sobreira do SindSaúde desmente a informação que esteja ocorrendo
falta de repasse do Governo do Ceará

 

Para melhorar a gestão na unidade de saúde, é importante implementar medidas que garantam mais transparência e responsabilidade, bem como melhorar a alocação de recursos financeiros. A má gestão hospitalar é um problema comum em cidades do interior do Brasil. A falta de boa gestão e planejamento podem levar a problemas como sobrecarga de trabalho, desperdício de recursos e atrasos no atendimento aos pacientes. O HRI sofre ainda  por não ter acesso a tecnologias avançadas, o que  afeta a qualidade dos cuidados de saúde prestados e provocando uma constante transferência de pacientes para outros centros melhores capacitados.

A situação torna- se ainda mais delicada quando a mão de obra é paga através de cooperativas. Há falta de regulamentação de maneira adequada, o que pode levar a problemas como exploração de trabalhadores e pagamentos inadequados. Tem ainda a baixa remuneração e muitos trabalhadores em cooperativas de mão de obra para a saúde recebem salários baixos e não têm benefícios adequados, o que pode levar a desmotivação e insatisfação. 

“Tem funcionário vendendo o que tem para comer… A gente fica angustiada com isso!”
Diz Célia Sobreira

 

A FALTA DE PLANEJAMENTO – DESORGANIZAÇÃO E DESCASO

Outro problema encontrado na saúde de Iguatu está relacionado à falta de planejamento financeiro. Algumas cooperativas e a própria gestão municipal não tem um planejamento financeiro adequado e não têm recursos suficientes para cobrir seus gastos, incluindo salários. Ainda existem as constantes suspeitas de fraude ou má gestão que podem levar a problemas financeiros e atrasos nos pagamentos de salários, que é o que acontece agora. 

Por outro lado, temos os alegados atrasos no recebimento de verbas públicas, o que se mostrou não ser verdade, pois as verbas públicas para financiar suas operações estão sendo creditadas, e atrasos no recebimento desses recursos não deveriam acontecer, mas são corriqueiros e constantes e afetam o pagamento de salários a seus trabalhadores, muitos vendendo objetos pessoais para sobreviverem e sendo despejados de suas casas por não terem como pagar o aluguel.

 

“Todos os direitos são feridos!” Diz o advogado do SindSaúde, Alan Bezerra

A situação não é apenas de falta ou crise temporária. É algo crônico e que não se busca resolver e caminha para uma agravamento de uma crise que já se mostrou ser humanitária e que agride a base de tudo que significa cuidar de pessoas e da sua saúde, que é dever do Estado, mas de um total desrespeito aos direitos humanos de quem trabalha no HRI e à população que dele precisa. É preciso buscar responsáveis e junto com isso soluções definitivas. A vida não pode mais esperar.