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Julgamento no STF é oportunidade para delimitar critérios objetivos para distinguir usuários e traficantes, diz ativista

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Em votação no Supremo Tribunal Federal (STF), a proposta de descriminalização do porte de drogas para uso pessoal volta ao plenário hoje (10). O julgamento é uma oportunidade para avançar na delimitação de critérios objetivos que façam distinção entre usuários e traficantes, aponta Gabriel Elias, coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), que acompanha a votação em Brasília (DF).

Distinguir usuários e traficantes é um ponto crucial para o avanço de políticas de drogas que garantam direitos humanos e a redução dos danos produzidos pelo uso problemático de drogas. “Esta delimitação é importante porque muitos usuários hoje estão respondendo pelo artigo 33 da Lei de Drogas, que trata de tráfico de drogas; e não pelo artigo 28, que trata de porte para uso pessoal”, explica Elias.

Elias relembra o imbróglio que originou a discussão no STF, em 2009, quando um mecânico de 55 anos foi condenado à prisão por porte de maconha para consumo próprio em Diadema, na Grande São Paulo.

Na ação, a Defensoria Pública questionou a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343, de 2006, que diz serem crimes os atos de adquirir, guardar ou portar drogas para consumo próprio. Segundo a defesa, o artigo viola o princípio da intimidade e da vida privada.

Para o coordenador de relações institucionais da PBPD, caso a maioria dos ministros votem a favor da descriminalização do porte de drogas para uso próprio, a distinção será necessária. “Se a proibição do consumo é inconstitucional, o STF tem que buscar também formas de evitar que o usuário responda por outro artigo que não é o do uso de drogas. Muitos usuários estão respondendo por tráfico de drogas sendo que é só usuário. É preciso que a gente tire da subjetividade, muitas vezes permeada de discriminização social, e estabelecer critérios objetivos para isso. É uma coisa que a gente espera, por exemplo, do ministro [Luís Roberto] Barroso”, frisa.

Votação apertada

Pauta polêmica no STF, a proposta de descriminalização do porte foi interrompida em 20 de agosto, após o pedido de vista do ministro Edson Fachin. Favorável à descriminização, o relator do processo, o ministro Gilmar Mendes, foi o único a votar até então. Em seu voto alegou que a criminalização do porte de drogas invade o direito à privacidade do usuário, o afasta de serviços da saúde e não garante a segurança pública.

No entanto, Gabriel Elias aponta para particularidades no voto do ministro, que não condiz com o desejo de alguns especialistas, uma vez que abre a possibilidade para descriminalizar – de tirar a proibição do consumo de drogas da esfera criminal -, mas mantém sanções administrativas que continuam limitando o direito do usuário de usar drogas, como por exemplo, a necessidade de prestação de serviços comunitários. “Isso é uma possibilidade que o voto do Gilmar abre e nós esperamos que os ministros abram divergência sobre isso impedindo estas sanções administrativas”, aponta.

As especulações acerca do julgamento eram de que a maioria da Suprema Corte seguiria os passos do relator, o ministro Gilmar Mendes, optando pela descriminalização. Mas, em coluna publicada nesta terça-feira (8), a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, alertou sobre a possível mudança no cenário.

“De acordo com um dos mais antigos magistrados do STF, já está sendo formada maioria para manter o consumo de drogas como crime, ainda que o usuário não vá preso. Ele prevê um placar de pelo menos seis votos pela manutenção da lei, podendo chegar a até oito votos”, enfatizou a colunista.

Na terça-feira passada (1), durante sua participação no lançamento do livro sobre o Novo Código do Processo Civil Temático, no Rio de Janeiro (RJ), o ministro Luiz Fux sinalizou que a votação seria apertada. “Como há um desacordo moral razoável na sociedade sobre a descriminalização, acho que esse desacordo acabará sendo retratado também em plenário. Cada integrante do tribunal tem de ter percepção bem clara sobre os valores que a sociedade elege”, destacou.

Para que a descriminalização das drogas seja oficializada é preciso que pelo menos seis ministros votem a favor. Ainda precisam votar os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente, Ricardo Lewandowski.

Tabus

A divisão de opiniões dentro do Supremo, também refletida em toda a sociedade, expõe vários pontos de vista divergentes. Para quem defende a criminalização a justificativa é de que proibindo o Estado protege a saúde do indivíduo.

Este foi o argumento defendido pelo representante do Ministério Público de São Paulo, procurador-geral de Justiça do estado, Márcio Fernando Elias Rosa, durante a sessão do julgamento, realizada em 19 de agosto. Ele defendeu medidas educativas e de saúde para tratar o usuário. “O encaminhamento imediato para unidades de atendimento social, de saúde específico para tratamento para dependência resultados muito mais efetivos, afirmou.

Elias discorda deste posicionamento. “Primeiro que juridicamente isso é inviável. O Estado não pode criminalizar a autolesão. Se não a gente poderia, no limite, criminalizar as pessoas de pular de páraquedas, de lutar boxe”. Do ponto de vista político da criminalização, ele também aponta para uma questão levantada pelo ministro Gilmar Mendes em seu voto: de que a criminalização afasta o usuário problemático do serviço de saúde. “Se eu preciso do serviço de saúde eu não vou acessar se eu tiver em uma situação de dependente para me tratar porque existe esta estigmatização do crime. O que nós precisamos é realmente trazer as pessoas que precisam do serviço de saúde e a melhor forma de fazer isso é discriminalizando”, diz.

Participação social

“Eu acho que também existe uma questão moral. Mas mesmo as pessoas que são contra o uso de drogas, com alguns argumentos que são políticos, não são necessariamente morais, mas que não se sustentam em uma discussão racional baseados em dados concretos. Acho que este é o principal problema. Nó temos visto aqui no STF o deputado Osmar Terra trazendo o deputado Marcos Feliciano, João Candido e lideranças religiosas, que tem sido liderado por muita desinformação e moralismo. O que nós temos tentado trazer pela Plataforma de Políticas para as Drogas são especialistas que trazem sustentações racionais baseados em dados e em políticas púbicas concretas”, afirma Elias.

Além do representante da PBPD, o julgamento npo STF é acompanhado por outros representantes de entidades sociais e especialistas como a Conectas, o Instituto Sou da Paz, o Viva Rio e a Pastoral Carcerária. Juntos, eles estão autorizados a intervir no processo para oferecer à Corte subsídios sobre a questão e informações técnicas. Dois dossiês, por exemplo, foram entregues ao STF e estão disponíveis na página da Plataforma.

“Esta é uma oportunidade que o Estado brasileiro tem para pensar a política de drogas e que seja o início de maiores e mais profundas mudanças nas políticas de drogas. E que a gente consiga fazer [a discussão] também no Congresso Nacional para acabar com esta guerra que a sociedade inteira perde”, conclui Elias.

Fonte: Brasil de Fato

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