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Entre Olhares: Abençoar é sempre sagrado

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Senti-me na obrigação de fazer referência aos últimos acontecimentos relacionados à intolerância religiosa que estão sendo noticiados nos diversos recantos do Brasil. Considero preocupante o vulto que esta situação está tomando. Terreiros saqueados, incendiados e depredados em diversas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais; o Povo de Santo sendo apedrejado na rua em plena luz do dia; um Pai de Santo assassinado em Fortaleza.

Estamos regredindo no tempo. No auge do Império Romano o cristianismo representava uma insegurança, pois colocava em cheque a figura divina do imperador. Para contornar este problema de insegurança estatal a Igreja Cristã fez uso do sincretismo religioso com determinadas representações pagãs. No Século V d.C., o Papa Gelásio I cristianizou cultos pagãos impossíveis de ser ignorados, por estarem profundamente enraizados na cultura popular ( MACHADO, 2009).

Exemplo emblemático é o de São Jorge. Dependendo da vertente de origem, este santo pode ser tido como médico, guerreiro, cavaleiro, guardião da justiça, agricultor, militar, negociante, viajante, mártir. Tudo vai depender se ele se encontra no Oriente ou no Ocidente. Na vertente tupiniquim brasileira, São Jorge ganha mais uma qualidade: ferreiro. A situação de escravidão do Povo Iorubano mais uma vez deturpa a figura santificada do herói cristão.

São Jorge deixa de ser o civilizador, o deus da metalurgia e da agricultura. Na realidade desumana dos escravos no Brasil ele se transforma no Herói Vingador. Aquele que vai quebrar as correntes da escravidão. São mais de 500 anos de lutas e reivindicações. No processo de autoafirmação, reconhecimento e liberdade de culto e expressão, o Povo de Santo e seus descendentes puseram em sacrifício suor, sangue, fé, coragem e valentia próprios dos Africanos.

Benção? Motumbá? Mukuiú? Kolofé? Não importa se é em dialeto; não importa em qual língua seja; não importa qual seja a fala. Abençoar é um ato sagrado mútuo. Quem abençoa está também se abençoando. Da mesma forma, quem pragueja está também se praguejando. Na Cultura Oriental, Mikau Usui reativou a capacidade humana de emanar energias vibratórias curativas com a aposição das mãos. Quando eu irradio Reike, esta irradiação também me serve, me cura.

Na qualidade de Babalawô, Ogãn de Oxosse, Babá Ossô, Terapeuta Reike, professor, formador de opinião e cidadão não posso me omitir. Indignado, ultrajado, vilipendiado, afrontado e acoado, tenho plena certeza de que esta situação só chegou ao ponto que se encontra devido à situação e convicção de impunidade que impera na sociedade deste país. Uma sociedade capitaneada por usurpadores públicos impunes, estimula seus concidadãos à barbárie e à impunidade.

Na narrativa da mitologia creditada a São Jorge, na cidade de Uruk, Gilgamesh atormentado pela saudade de seu amigo morto Eabani, chora e suas lágrimas caídas à terra fazem trazer de volta o tão amado amigo, que lhe revela os segredos do mundo dos mortos e lhe diz o quanto são felizes aqueles que morrem heroicamente, enterrados com honras e cultuados por seus familiares (MACHADO, 2009). Certamente esta narrativa ainda ecoa no imaginário de muita gente.

Provavelmente por isso somos surpreendidos com os ataques terroristas, carros bomba, homens bomba, em nome de Alá, em nome de Maomé, em nome de Jesus Cristo. Este último invocado por traficantes, transgressores das leis humanas, agora se arvorando de representantes legítimos das supostas leis divinas, empunhando fuzis e até tacos de basebol, para intimidar o Povo de Santo, invadir suas casas, agredir sua honra e profanar o seu culto ao sagrado.

Leis já existem! O que está faltando é atitude! Um Estado que é privatizado por seus agentes públicos; que é cooptado pelo crime e pela contravenção; com supostas “autoridades” financiadas pelo crime organizado; recheado de escândalos de corrupção desde os setores responsáveis pela segurança pública até aos mais altos escalões da administração, este mesmo Estado hoje é refém e conivente, subserviente e obrigado a fazer vistas grossas ao que está acontecendo.

A todos nós, Povo do Santo, nos resta reafirmar a descaracterização imposta ao Nosso Pai Ogum, através do sincretismo, tornando-o guerreiro, vingador e justiceiro. Tenho minha convicção religiosa de que Exú, Ogum, Oxosse, Xangô, Oxalá e os demais Orixás do panteão iorubano não vão se espelhar nas “autoridades” brasileiras, não vão se omitir, não vão ficar de braços cruzados, vão sim unissonamente se erguer, lutar, guerriar e fazer valer a justiça, pois “a Justiça Divina acontece na hora certa”.

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