Nijair Araújo

Brasilidade: Por que existe um adeus

Published

on

A morte aproxima vivalmas e nos oportuniza cruciais reflexões.

O fazer laborativo, para muitos, é extensão do lar – potencial família onde laços de amor fraternal se consolidam ao longo do tempo. São encontros cíclicos, diários, semanais… Que se fincam nos anais da consciência – e, de repente, nós nos sentimos amigos, irmãos.

Talvez entre os pares, os vínculos transcendam mais facilmente as paredes do trabalho e culminem nos bares da cidade, em libações que suscitam confidências – gerando outros vínculos, ainda mais sólidos; ou nas academias, restaurantes, calçadões, templos, onde o verbo flui, entre pedaladas, passos largos, pregações ou saborosas pizzas! O caminhar aguça a oratória e o alimentar-se também é prece, cais de confissões.

A morte aproxima, mas também se aproxima de todos – até bater à porta.

Matamos ao negligenciar sentimentos, ignorando gestos simples, ou quando valoramos por demais interesseiras e escusas gentilezas; matamos pelo silêncio, ausências, omissões, excessos. E matamos pela indiferença – o melhor antípoda do mais sublime dos sentimentos: o amor. Portanto, matamos pela injustiça que permitimos e morremos, ultima ratio, ao término da nossa singular missão.

Há uma voz que chora, anunciando que um ente querido se foi; retratando a morte, essa recorrente, mas indigesta constatação da existência. Estranho é percebermos e nos darmos conta, exatamente durante os prantos do interlocutor, de que não conhecíamos a genitora do amigo, daquele com quem convivemos há muitos anos, trocando desabafos, falando mal dos outros, jogando farpas, ouvindo calúnias e tantas outras manifestações da singularidade antropológica do homem que é bom e mau, invariavelmente. Negligência? Falta de convite? O tempo não permitiu fazer uma visita? Agora é tarde demais! O que resta é visitar o corpo, carregar o féretro e conviver com a imagem do semblante estático de alguém que já sorriu, realizou sonhos, sofreu decepções, constituiu família e que as contingências da vida – enquanto houver – colocaram ao nosso lado um colega sobre quem julgávamos conhecer, na intimidade das tênues aparências, apenas aparências.

Foram vários anos de vazios entre nós. A amizade transcende o indivíduo e exige que conheçamos para além dos muros que nos aprisionam em nossas corporações e corpos falhos, precários. Todos temos famílias, laços consanguíneos e pessoas que amamos, que nos são caras. Urge que sejamos mais ousados, atrevidos e invasivos até. É mister indagarmos sobre quem amam as pessoas que julgamos estimar. Sem isso, as relações se tornam meras imagens que se formam atrás do espelho.

Não queirais vós o torpor das ilusões. Buscais, noutro sentido, esgueirar-se ao pé do silêncio. O túmulo nos deixa a sós – nós e a eternidade… Nós e voltas e a maldade que aquebranta corações. Não buscais vós a voz que clama em tormento. Por que quereis sentir a dor alheia? O equilíbrio que buscais alhures, tendes, por ventura, em vós… É uma voz que ecoa, grito do silêncio atroz. Não buscais vós a palavra que magoa, pois nenhum grito vale o que ecoa quando o coração está em lágrimas. Calais, portanto, o verbo aflito e escutais o condão que brota, enquanto flor… Até que o grito derretido será convertido em puro amor.

Segue o cortejo. Corpo sepultado. Lágrimas renovadas. Abraços, condolências… E a vida prossegue, precisa continuar, entre sensações de alegrias e tristezas e reflexões.

*Por Nijair Araújo Pinto – TC QOBM
Cmt do 4º BBM – Iguatu

EM ALTA

Sair da versão mobile