Artigo
ARTIGO: O Bolsonarismo-Quixotesco: seria cômico, se não fosse trágico

O que a trágica história de Francisco Vanderlei Luiz, o homem-bomba que tirou a própria
vida de forma chocante em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), tem em comum com Dom
Quixote, o célebre cavaleiro andante criado por Miguel de Cervantes? Ao analisar sua trajetória,
percebemos uma releitura sombria e contemporânea da figura literária, mostrando que, longe de
ser apenas um caso isolado, a história quase surreal de Francisco reflete um problema social mais
profundo.
Em Dom Quixote de La Mancha, obra-prima da literatura universal, acompanhamos
Alonso Quixano, um homem comum que vivia tranquilo e sozinho em sua casa no campo. Grande
fã de romances de cavalaria, o senhor Quixano passava horas e horas do seu dia lendo histórias
fictícias sobre nobres e corajosos cavaleiros medievais. Até que, certo dia, Alonso perde a
capacidade de distinguir imaginação de realidade e passa a acreditar que é Dom Quixote, um
corajoso cavaleiro destinado a enfrentar gigantes e salvar sua amada donzela Dulcinéia.
No entanto, Dom Quixote era apenas um delírio de Alonso Quixano. Na realidade, a nobre
donzela Dulcineia era apenas uma jovem tosca de uma aldeia vizinha, que sequer sabia da
existência do senhor Quixano. Já os gigantes que ele acreditava enfrentar não passavam de
moinhos de vento. Dom Quixote é o exemplo clássico de alguém incapaz de distinguir fantasia
de realidade, vivendo uma história que existia apenas em sua mente. E é exatamente nesse ponto
que Francisco Vanderlei Luiz se encaixa.
Francisco – ou “Tio França”, como era conhecido – não se perdeu em romances
medievais. Ele encontrou sua “realidade paralela” em vídeos do YouTube, áudios de WhatsApp
e postagens em redes sociais – sua nova casa. Imerso em um universo paralelo repleto de
desinformação, fake news e teorias conspiratórias, Francisco criou para si uma narrativa tão
fantasiosa quanto a de Quixote: acreditava ser um herói patriota, lutando contra uma imaginária
ditadura comunista para salvar sua “Dulcineia”: a Pátria Amada Brasil. Seus moinhos de vento
eram os supostos comunistas, vistos em instituições – como o STF –, no governo eleito e em
qualquer um que discordasse de suas ideias.
A psicologia classifica como transtorno delirante o estado em que alguém confunde
imaginação com realidade. A diferença essencial entre Quixote e Francisco, porém, está na
natureza de suas motivações. Enquanto o cavaleiro da triste figura buscava fazer o bem, Francisco
foi consumido por uma visão de mundo contaminada pelo ódio, pela intolerância e pela paranoia.
Sua armadura era o fanatismo. Dom Quixote é um “louco manso”, um “maluco beleza” inofensivo
que nos faz rir de suas aventuras; já o fanatismo de Francisco, alimentado por radicalismo político,
tornou-se perigoso e devastador.
Após tentar, sem sucesso, uma vaga como vereador em 2020 pelo Partido Liberal (PL),
Francisco mergulhou ainda mais fundo no “bolsonarismo”. Com a derrota de Jair Bolsonaro nas
eleições presidenciais de 2022, ele, como muitos outros apoiadores, recusou-se a aceitar a
realidade: juntou-se a milhares de seus pares em acampamentos em frente aos quartéis militares,
todos alimentados por discursos radicais, desinformação e um forte sentimento de negação da
realidade, clamando por intervenção militar e fortalecendo a ideia de uma “guerra” contra o
fantasma do comunismo. E isso, talvez, seja o mais preocupante.
Francisco não foi apenas um caso isolado. Sua história simboliza o ápice de um problema
social alarmante: o fanatismo político da extrema-direita, amplificado nos últimos anos no Brasil,
uma ideologia política alimentada por ódio, desinformação, discursos radicais, fake news e que
explora o que há de pior nas pessoas. No caso de Francisco, sua obsessão tornou-se insuportável
para seus parentes, que relataram sua transformação em uma pessoa irreconhecível, obcecada por
política e totalmente descolada da realidade. O desfecho dessa radicalização ocorreu no dia 13 de
novembro, quando Francisco explodiu bombas caseiras na estátua da Justiça, em frente ao STF,
antes de tirar a própria vida com outro explosivo.
Francisco Vanderlei Luiz não foi um herói patriota, mas sim uma vítima de um fanatismo
político que explorou sua crença e sua fragilidade emocional. Seu ato não trouxe vitória alguma,
apenas uma tragédia pessoal e familiar e que escancarou os perigos do fanatismo político. O
fanatismo é o oposto do diálogo e da razão, nega fatos, fecha portas, constrói muros e aprisiona o
indivíduo em suas próprias ilusões, tornando-o incapaz de enxergar além de suas convicções.
Como alertou Voltaire, “o fanatismo gangrena o cérebro”. Contudo, o antídoto está em nosso
alcance: senso crítico, diálogo e coragem para enfrentar a realidade, mesmo quando ela desafia e
contraria nossas crenças. Afinal, o verdadeiro perigo não está em lutar por nossas convicções,
mas em nos tornarmos escravos delas.
A tragédia de Francisco não é apenas um alerta sobre os riscos do radicalismo político,
mas também um convite à reflexão coletiva. No Brasil polarizado de hoje, é imprescindível
desenvolver senso crítico para navegar pelas redes sociais, dialogar com clareza e pensar a política
com racionalidade, em vez de paixão cega. O fanatismo político, seja de qual lado for, é destrutivo
e coloca em risco o tecido social da democracia. Como dizia Nelson Rodrigues, a pior paixão é a
paixão política, a única sem grandeza, capaz de imbecilizar um indivíduo. A história de Francisco
é a prova viva dessa máxima.
No fundo, talvez todos nós tenhamos um pouco de Dom Quixote dentro de nós, lutando
contra gigantes em nome de nossas crenças e daquilo que acreditamos ser o melhor para nós e
para a sociedade. No entanto, a grande questão é saber a hora de parar, de baixar a lança e encarar
a realidade – por mais dura ou indesejável que ela seja. Antes de travarmos nossas batalhas, é
essencial garantir que os gigantes que enfrentamos não sejam, na verdade, apenas moinhos de
vento. Assim como o célebre cavaleiro de Cervantes, a história de Francisco Vanderlei Luiz
poderia ser cômica, se não fosse tão trágica.
Por: Pierre Wirom
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