Americando

Americando: Café

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Creio que quase todo misantropo, assim como este que vos fala, gosta de café… se não, outra bebida ou o extremo, nenhuma; isso é o normal em extremos…, mas um velho professor de Latim já me disse certa vez que não devemos confiar por demais em quem não bebe… ele me falara de quem não bebe bebida alcoólica… eu quero falar de café…


Uma prima certa vez me veio com um enigma que dizia mais ou menos assim: “Verde não se cria, maduro não se come, quem quiser provar da fruta, na água tá o nome…”; depois de minutos querendo adivinhar sem reflexão, ela me disse que era café… ainda continuo sem entender por completo…, mas o café, sem sombra de dúvidas, é algo viciante, charmoso, poético, diário e prático para qualquer lugar e hora, assim como sexo… Esta bebida tem um preparo… vem da natureza, com a colheita, secagem, beneficiamento, classificação, torra e dosador (embalagem). Essa bebida está em nosso meio há muito tempo, de origem africana, especificamente da Etiópia, espalhou-se por todo o mundo… chega de pragmatismos explicativos… vamos à uma atmosfera poética intimista…


Era uma manhã de sábado, creio, eu estava no sítio dos meus avós e não me lembro ao certo minha idade, contudo acho que lá pelos 6 anos no máximo… Acordei, cachorro latindo, galinhas no terreiro, vaca mugindo, pássaros na algazarra da manhã por volta das 6, meu avô aboiando, uma senhora que passava perto da minha rede na sala onde eu dormia, olhava pra mim e um cheiro que invadia a casa… aquele cheiro na minha memória sentimental fora seguramente a primeira vez que notei, senti e guardei o cheiro do café… Fui até a cozinha da casa, pedi a benção a minha avó e ela perguntou se eu queria café… Ali começou minha história com essa bebida…


Da roça à xícara o café faz um percurso de preparo em fases, como apresentamos acima, até chegar em nossa casa, garrafa, xícara, boca e estômago… O preparo comum para beber em casa ou alhures é com água fervendo e açúcar a gosto, mas há muitas e muitas maneiras de se preparar tal bebida, até com misturas bem diferentes da comum com o leite… O cheiro invade o local, é algo bem fuxiqueiro, você sente este cheiro até do café feito na casa do seu vizinho. É uma bebida que faz parte de nossa cultura, da nossa primeira alimentação diária que metonimicamente é chamada café, mesmo que você merende pela manhã chá, iogurte, leite ou outros… até muitos que demasiadamente não o tomam, o tomam só pela manhã…


Então… esse cheiro, essa caneca com o escudo do Timão, essa fumaça que sobe pelo espaço sobre a minha mesa de estudos, meu pensamento que vaga, este líquido que estimula, desde há tempos da África para o resto do mundo, um poema do Drummond que leio, a pandemia, a política desgovernada de um governo tosco, um jovem negro assassinado, uma mulher morta pelo marido, uma imagem em rede social que vejo, as futilidades, os olhares falsos, a busca por outra ilusão dos comuns que postam tudo, os enganos da religião, minhas ambições, segredos, sonhos, angústias, decepções, receios e um gole para embalar…


Vinícius de Morais disse que o Whisky era o cachorro engarrafado… e o café? Fico a pensar… se o Vinícius pudesse responder isso… ou talvez alguém já falou disso e o neófito leitor aqui que vos fala desconhece…, mas creio que o café é um paliativo, para quem gosta, ou até mesmo um meio de seguir a vida sem saber como seguir em meio a uma xícara deste sabor sedutor de cada dia… Parafraseado Vinícius, um cachorro na xícara? Não sei ao certo, mas quando não souber o que fazer, tome uma xícara de café… é isso, e os que não gostam, comecem, vicia, ajuda passar o tempo mesmo que produza ansiedade… Lembro-me certa vez, pra terminar, de uma jovem que conheci bem… um dia nos beijamos vagarosamente e depois a disse: “Seu beijo está tão café…”, ela riu…


“[…] Se eu vejo correr uma estrela no céu, eu digo
Deus te guie, zelação. Amanhã vou ser feliz!
É caminhando que se faz o caminho
Quem dera a juventude a vida inteira […]”. (Belchior, Brincando com a vida).

  • Por Américo Neto

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