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AMERICANDO: Alados de Iguatu, devaneios e sentimentos…

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“Como uma metrópole
O meu coração não pode parar
Mas também não pode sangrar eternamente…”
(Belchior, Monólogo das grandezas do Brasil).

Quando criança andando pelas ruas de Iguatu, sobretudo pelo centro, mas às vezes em alguns bairros, sempre via algumas figuras pitorescas… como diziam: “umas marmotas” , “molambudos” ou ainda “os doido”, era assim que ouvia dos adultos em relação aqueles indivíduos… Havia um de boné, bermuda, camisa de um time de futebol, às vezes ele fumava, mas sempre andava de um lado a outro gesticulando e conversando sabe lá com quem… Uma vez eu estava na praça da matriz, era à noite, as árvores da praça estavam com os enfeites de Natal, era em dezembro… Uma pessoa se aproximou de uma árvore com aquelas luzes e mexeu em alguma. As luzes que enfeitavam a árvore apagaram-se! De imediato o tipo de boné, com a camisa de time de futebol que andava a gesticular parou, viu aquilo assim como eu, apontou para a árvore com as luzes apagadas e ficou como estátua. E ficou um bom tempo… A pessoa que mexeu na árvore saiu rindo de fininho, mas o alado ficou em posição de estátua com o braço estendido apontando com o dedo. Imóvel, em pé, pernas um pouco abertas, de boné, descalço, bermuda e a camisa vermelha de um time de futebol… Fiquei na angústia a contemplar até quando ele ficaria assim… Do nada e sem explicação para meu entendimento as luzes da árvore voltaram a ficar acesas e o camarada voltou a andar pela praça gesticulando e falando coisas que eu não entendia bem… aliás, eu tinha até medo dele…

Outro dia, não sei precisar quanto tempo foi após o acontecimento deste fato já narrado, eu estava no abrigo metálico comprando umas revistas em quadrinhos e após isso sentei-me em uns bancos públicos para conferir as revistas, folhear e ler alguma história de super-heróis antes de chagar em casa, em meio aquela zorra maravilhosa do centro de Iguatu em qualquer dia, mas sobretudo no sábado… Estava lá sentado lendo quando ouvi uma voz ao meu lado dizendo que estava calor. Adivinha quem era? Sim… o alado lá de boné, camisa vermelha de um time de futebol, estava calçado agora, bermuda e na ocasião fumava… Fiquei um pouco assustado, acho que eu devia ter uns 12 ou 13 anos…

onfirmei que estava sim, muito calor… ele levantou-se e disse “mais tarde vai chover, mais tarde vai chover”, por várias vezes, gesticulando e andando envolta pelo abrigo metálico em forma de quadrado que abriga um café em seu centro… Faz tempo que o vi… acho que a última vez que o encontrei foi lá pelos idos de 2002 na dita praça da matriz… ele conversa muito bem articulado com outro senhor prosador que sempre ficava também pela praça. Estava com as mesmas vestes, sobretudo com a camisa vermelha de um time de futebol… Neste dia, até porque já tinha mais idade, entrei na conversa, era sobre política. Ele falou bem, disse quem ganharia a eleição, e acertou, depois entrou por um beco escuro que ainda hoje dá no mercado municipal… nunca mais o vi…

Outra dessas personagens que sempre via era uma senhora que passava na Coronel José Adolfo, bairro Santo Antônio. Ela usava várias pulseiras nos braços, vários cordões, andava com uma bengala e se vestia toda de branco. Às vezes ela parava, conversava com minha mãe e a convidava para o seu casamento que ia ocorrer sempre em todo sábado próximo ao dia que ela nos via. Geralmente ela nos via aos sábados, domingos ou fins de tarde em qualquer dia da semana, e o convite era feito. O noivo era um político muito conhecido na região. Infelizmente ela morreu lá pelos anos 90… o casamento nunca ocorreu, mas era uma graça vê-la conversando cheia de penduricalhos e toda de branco… lembranças…

Hoje vago frequentemente pelas ruas de Iguatu… no centro da cidade, nos bairros afastados e às vezes na zona rural e ainda encontro tipos como esses… Há alguns fatores que os diferenciam daqueles do passado. Hoje a tecnologia pode deixar muitas dessas figuras conhecidas, viram memes e muitos deles fazem vídeos que muitas vezes trazem uma grande sabedoria… Roberto Carlos de Iguatu recentemente em meio a pandemia disse que o elefante precisa da formiga e que ninguém é mais do que ninguém… Isso quando foi dito fez um grande sentido, pois muitas pessoas, e ele evidenciou isso, com muito dinheiro no banco morreram de covid, sem fôlego, pois no início além de não termos remédios eficazes, não haviam também respiradores para todos… “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes;” (1 Coríntios 1:27).

Fico a refletir nessas coisas, as ruas pelas quais passo, olhares, faces, meu sentir, lembranças, pessoas aladas que conheci; às vezes a vejo, ela olha, disfarça, mas depois olha outra vez… eu faço o mesmo, mas estou de óculos escuro… e agora de máscara também… Muitas pessoas que costumeiramente eu encontrava em alguns comércio do centro lá no tempo da minha infância hoje não mais as vejo… sumiram… Havia uma senhora que vendia uns brinquedos, uns bonecos que montavam em cavalo, o Zorro; ficava perto do mercado, nos fundos do Banco do Brasil… Não sei mais onde ela está… eu sempre a chamava de Dona Maria… Perdi o apreço pelos brinquedos, baladeiras, jogo de botão, revistas de super-heróis e não mais fui comprar essas coisas, mas ao passar por lá não mais vejo as figuras que sempre via aos sábados… onde estão?

Um dia, em um bar do centro, em meio aos devaneios, lembranças e goles de cerveja vi uma senhora passar na rua… Acho que era Dona Maria… ela me olhou, mas por pouco tempo… Mesmo que não tenha sido ela, foi bom, pois lembrei-me do meu passado de comprar brinquedos na feira e esqueci da angústia dos nossos dias e do meu peito…

*PorAmérico Neto
zeamericoneto@hotmail.com

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