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AMERICANDO: Acerca do cansaço espiritual da cultura

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“Eu estou muito cansado
De não poder falar palavra
Sobre essas coisas sem jeito
Que eu trago em meu peito
E que eu acho tão bom”
(Belchior, Todo Sujo de Batom)

Assisti uma entrevista em que o entrevistado disse que o tempo é rei… De fato… embora já soubesse, mas as coisas geralmente devem vir à tona para tomarmos uma dose de realidade consciente, introspectiva, algo que nos faça realmente sentir… cair a ficha, pois…
Não sei o que dói mais: se o silêncio que nos devora como uma azia, só que em vez do estômago arde o peito e a mente; ou o falar o que se pensa e sente, o que provoca a ira dos hipócritas que vivem à espreita fingindo agirem corretamente, mas não passam de legalistas pragmáticos na toada do não ser querendo ser… uma forçação de barra tremenda… não sei se tenho pena ou me porto com desprezo diante dos tais…

Carros e motos passam na rua… segue a vida na labuta e no destempero do mundo que não quero… Vi várias luzes quando fui em sua casa, mas seu corpo era o que mais reluzia… Contemplei o céu de minha cidade uma vez quando criança em um dia que faltou luz… já havia fumaça do lixão, de uma indústria de algodão e o céu mesmo tumultuado era lindo com todas as suas estrelas… parecia a zona rural à noite… lá no São José do Trussu, quando nos fins dos anos 80 ainda energia elétrica não havia…

Filmes, séries, documentários, reabertura econômica, futebol com público, “quero minha igreja aberta”, “a conta chegou”, volta ao ensino presencial, aglomerações, nova variante, festas de fim de ano, negacionismo, ódio, neonazismo, racismo, banalização do mal, mortes pelo mundo, desastres ambientais, fome, miséria, caos, crises econômicas, corrupção, opinião com mais validade e respaldo do que evidências científicas, religião invadindo a política com fome de poder, para variar… outra vez…

A idiotização é global, parece que elaborada estrategicamente para manipular e fazer com que o estado espiritual da cultura fique em estado deprimente, capenga e depravado em um cultivo de coisas sem sentido e banais em que o belo, o encanto, a poesia, a rebeldia com causa, a erudição, a música, a literatura, a arte em suas manifestações gerais cambiem para uma fossa malcheirosa em que comer excremento pode virar moda… A arte em geral como a leitura, o cinema, o teatro, a música, a poesia, a comédia com o poder de rir do humor e a observação do cotidiano com olhos materializados, mas também com a ternura poética do ser, nos fazem transcender a realidade física e espiritualmente nos tornarmos seres em humanidade fraterna, com intuito do bem comum, mas sem nos desviarmos de que o erro é humano e ele ocorrerá… A religião nos ajuda com o erro e deveria continuar nessa tônica, não virar uma empresa do capital como hoje soe… Nenhuma nação do mundo até hoje cresceu sem investimento na instrução, na educação, na técnica, ou seja, no conhecimento… Parece que a cultura atualmente, aliás, a pseudocultura, foi colocada em uma esteira de produção e muito hoje do que se ler, assiste, cultiva-se e ouve-se como música, parece que pode nos deixar mais burros… Leiamos Shakespeare enquanto este ainda está nas prateleiras de livrarias e bibliotecas… escutemos Mozart enquanto ainda podemos ouvir no YouTube…, pois o receio me diz que daqui uns tempos estes e outros não mais serão encontrados…

A falta de lógica é bem-vinda nos tempos hodiernos… Criar uma mitologia íntima, própria e religiosa que na mente de muitos pode fazer destes algo como um mutante, alguém com superpoderes que fica imune a qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, tipo: doenças, vírus, violência, desemprego e crises econômicas; e a ciência, a instrução e o intelecto não mais são necessários, pois esses seres, com suas mitologias íntimas, possuem “poderes” e a racionalização não importa. Isso é uma tônica bem comum com alguns seguimentos religiosos que a cada dia crescem desde o século passado. Tal aspecto social é uma procela maravilhosa para os estados pós-modernos deixarem de investirem em serviços básicos como saúde, educação, emprego e segurança, pois muitos estão iludidos com mitologias próprias compartilhadas nesses meios religiosos, uma vez que um ser está em contato diariamente com eles, e que nada há de lhes faltar, mesmo sem instrução, negando a ciência e até a realidade posta em evidência todos os dias… O que vale é o que “sentem”, “ouvem” e o que lhes foi “revelado” …

A mitologia íntima religiosa é autoexplicável, moduladora social para uma conduta pragmática, legalista e inofensiva diante de uma política social que nega o mais básico, mas perpetua alguns poucos no poder fazendo um movimento lucrativo entre estado, política, poder e religião. Estes grupos religiosos seguem em praticamente tudo os seus líderes espirituais, os quais muitas vezes são políticos ou ligados a estes; as escolhas políticas, opiniões e condutas morais e sociais são influenciadas e determinadas por tais líderes…

Não nego a existência de um deus… aliás, de Deus, até porque não posso, não sei como fazer essa negação e nem tão pouco formular uma explicação para a sua existência que é algo superior à minha cognição. Me resumo em minha pequenez a dizer que tenho um sentimento sobre uma divindade, mas não sei explicá-lo… nem tão pouco compreendê-lo… contudo tenho certeza que Deus, envolto em mistério como sempre foi e é, não é idiota como muitos dos que intitulam-se ou dizem ser seus seguidores… isso é plausível… basta ler a Bíblia, coisa que a maioria dos tais seguidores não fazem…

O ano começou com chuva… um cheiro maravilhoso está no ar… lembrei-me daqueles olhos que por uns dias encontraram os meus… O amor é a salvação para o mundo…. já li que Deus é amor… Que Ele nos guarde…

Por Américo Neto
Contato: zeamericoneto@hotmail.com

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